Exposição da
Biblioteca Nacional argentina traz textos inéditos do autor
Por JANAÍNA FIGUEIREDO
Quem
estudou em profundidade a obra de Jorge Luis Borges defende que, para o autor
argentino, um livro nunca estava totalmente terminado. Para ele, os textos
sempre podiam ser alterados, mesmo após publicados. Essa característica de um
dos maiores nomes da literatura latino-americana de todos os tempos é
confirmada na mostra que marca a estreia do escritor Alberto Manguel como
diretor da Biblioteca Nacional argentina, em Buenos Aires: “Borges o mesmo,
outro”. Manguel conseguiu reunir 16 manuscritos do escritor que pertencem a
coleções públicas e privadas — alguns nunca antes expostos no país — e que
permitem entender um pouco da metodologia de trabalho do autor, morto em 14 de
junho de 1986, em Genebra.
A joia mais valiosa da exposição é o manuscrito de “Pierre Menard, Autor do Quixote”, um dos contos do livro “Ficções”, dos anos 1940. Trata-se, na opinião dos curadores Germán Álvarez e Laura Rosato, de um texto “crucial” na trajetória de Borges. — O manuscrito é de um americano que tem uma livraria nos EUA. Tê-lo aqui é um verdadeiro privilégio, foi uma gestão realizada pessoalmente por Manguel — diz Álvarez.
Precursor
do “cortar e colar”
Para
Álvarez, esse conto “é a primeira ficção realmente ambiciosa de Borges”. O
escritor faz uma crítica literária sobre um autor ficcional, Pierre Menard, e
sua tentativa de recriar o Quixote de Cervantes.
—
Vemos ali um leitor obsessivo de outros autores e de sua própria obra. É
interessante apreciar as primeiras edições corrigidas — comenta Laura.
Borges
usava cadernos de contabilidade, com folhas quadriculadas, para fazer suas
anotações e correções intermináveis. Sua letra diminuta chama a atenção, assim
como algumas das metodologias de trabalho. Uma delas, definida pelos curadores
como “cut and paste” (cortar e colar), parece ter sido uma espécie de
antecipação do que fariam, muitos anos depois, programas de computador. Pedaços
de papel numerados, com trechos de futuros livros, eram combinados de
diferentes modos pelo escritor.
Um
dos contos elaborados com essa metodologia borgeana de vanguarda foi “Emma Zunz”, que está em “O Aleph”.
O
conto foi dedicado a um amor impossível de Borges. Temos dois manuscritos, duas
versões, com importantes variações semânticas — diz Laura.
MAIS DE US$ 1 MILHÃO
Os
manuscritos reunidos na mostra, que fica na instituição até dezembro, estão
avaliados em mais de US$ 1 milhão. Manguel, que hoje ocupa o cargo exercido
pelo próprio Borges entre 1955 e 1973, recorre a uma frase do autor irlandês
Oscar Wilde (1854-1900) para falar de suas expectativas sobre a exposição.
Quando propuseram a ele iniciar um tour pela Europa começando por Veneza, ele
se negou, dizendo que depois de Veneza tudo seria uma desilusão. Espero que,
iniciando minhas funções com esta mostra, não aconteça a mesma coisa — observa
ele, dizendo ainda que está preparando exposições sobre Shakespeare e
Cervantes, cujos 400 anos de morte foram celebrados em abril.
Na
mostra, também há manuscritos de Borges sobre o budismo, algo que, segundo os
curadores, interessava-lhe “como possibilidade filosófica e fonte de ficção”. E
um vídeo com depoimentos de escritores contemporâneos, como Guillermo Martínez
e Pablo De Santis, sobre a influência de Borges na literatura argentina.
[Foto:
EFE - fonte: www.oglobo.globo.com]
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