Dá-lhe, Tia Eron! Quem disse
que ela não resolveria, que tinha sido abduzida? Na terça-feira, na sessão do
Conselho de Ética (?!) da Câmara, Tia Eron falou e disse. Citou Umberto Eco,
Darcy Ribeiro e Platão, usou palavras chatinhas, típicas da linguagem acadêmica
("ressignificar" é uma delas), pintou e bordou.
E tropeçou na
gramática. Pôs no singular o que seria plural ("É nela que mora os
valores") e vice-versa, errou a conjugação do verbo "ver"
("Quando ver as manchetes") etc.
O discurso da
deputada mostra bem a que nos pode levar a emoção quando falamos de improviso,
"ao vivo". Talvez Eron escorregasse menos se escrevesse os seus
discursos.
Um dos tropeços
ocorreu quando ela disse isto: "Não mandam nessa nega aqui. Nenhum dos
senhores mandam". Muito comum na linguagem oral (e não raro também na
escrita), o desvio presente na construção empregada por Tia Eron é clássico: a
atração exercida pelo elemento mais próximo do verbo faz o falante flexionar
esse verbo ("mandam", no caso) em concordância com esse elemento
("senhores").
Nesse caso, a
concordância não se faz com "senhores"; faz-se com
"nenhum": "Nenhum dos senhores manda". Isso ocorre quando o
núcleo do sujeito é um termo como "nenhum", "algum",
"ninguém" etc.: "Algum de vocês manda em mim?"
Frequente em provas
e concursos que vão além da mera pergunta sobre certo/errado, esse desvio exige
observação atenta a respeito do porquê da sua ocorrência, o que significa que o
candidato deve ser capaz de explicar o motivo do erro.
Vale a pena incluir
nessa lista casos como o do sujeito formado por núcleo singular seguido de
vários adjuntos no plural, o que torna a flexão do verbo no plural uma tentação
quase irresistível: "O custo das matérias-primas empregadas nos produtos
importados mais consumidos subiram muito neste ano".
O que foi que subiu?
Foi o custo, não? Bem, se foi o custo, ele, o custo, subiu, ainda que depois
dessa palavrinha venha uma enorme fileira de penduricalhos no plural: "O
custo das matérias-primas empregadas nos produtos importados mais consumidos
subiu muito...".
E que ninguém inclua
nessa lista os casos em que o núcleo do sujeito é palavra que dá noção de
agrupamento, de coletivo etc., como "maioria", "parte",
"grupo", "bando" etc. Nesses casos, quando há
"penduricalhos", a concordância depende daquilo que se quer colocar
em evidência. Em "Na hora de votar, a maioria dos deputados pronunciou
discursos inacreditavelmente ridículos", a concordância de
"pronunciou" com "maioria" põe em evidência o grupo, o
conjunto (representado por "maioria" nesse caso).
Em "Na hora de
votar, a maioria dos deputados pronunciaram discursos...", a concordância
de "pronunciaram" com "deputados" (corretíssima, diga-se)
põe em evidência quem forma o grupo, o conjunto ("deputados", nesse
caso).
É claro que, se uma
palavra como "maioria", "grupo", "parte" etc. não
é seguida de penduricalhos, o verbo fica no singular: "Na hora de votar, a
maioria pronunciou...".
Antes que algum
chato de plantão diga que nunca me manifestei sobre as patacoadas verbais da
presidente afastada, informo que me parece dispensável explicar o
autoexplicável ("pessoa individual" e afins).
O que importa é que
Tia Eron votou "errado", mas votou certo. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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