quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Os cruzamentos entre os filmes de Jean-Luc Godard e a literatura

Em ensaio, professor estabelece relações entre filmes do diretor e diferentes autores

Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo em cena de "Acossado" de Godard

Por LEONARDO CAZES

Numa cena de “Acossado”, o longa de estreia de Jean-Luc Godard, Patricia (Jean Seberg, na foto acima), a namorada do fugitivo Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), lê uma passagem do romance “Palmeiras selvagens” de William Faulkner. O que poderia ser apenas uma citação é localizada por Mauricio Salles Vasconcelos, professor da Universidade de São Paulo (USP), em uma rica teia de cruzamentos entre a filmografia do cineasta francês e a literatura. O mapeamento desses encontros move o ensaio “Jean-Luc Godard — História(s) da literatura” (Relicário Edições, R$ 48), cujo título faz referência ao filme “História(s) do cinema”, do próprio Godard.

Mais do que citações ou adaptações, o professor afirma que o cineasta busca aproximações entre as ficções do cinema e da literatura. A polifonia característica de Faulkner também aparece em “Acossado”.

Godard não faz “adaptações”. O que acontece sempre em seus filmes são modos de fabular indissociavelmente lançados de fotograma a fotograma, entre a citação e a ressituação dos signos da escrita e do regime cinemático, sempre hibridizado para além do domínio estritamente visual atribuído à produção de filmes — afirma.

A carreira de Godard no cinema começou como crítico, mas Vasconcelos ressalta que ele também tinha grande interesse em ser romancista. Todo seu trabalho, argumenta, é guiado pela máxima de que “escrever é fazer filmes”. Quando começa a filmar, o seu trabalho de crítico atravessa a sua produção, em sintonia com o projeto da Nouvelle Vague concebido pelo grupo reunido em torno da revista “Cahiers du Cinéma”.

O cinema da “falação”, como gostam de expressar os detratores do diretor, sempre mostrou, desde o primeiro fotograma, sua dimensão mista de documento e performance no ato de fazer cinema. Narrar não se abstém da investigação das esferas as mais diversificadas, da literatura moderna à nova história cultural.

O professor afirma que, com o ensaio, busca produzir uma história da literatura “no tempo do cinema godardiano, desde os anos 1960”. Por isso, alguns autores relacionados aos filmes podem surpreender.

Quando estudo Ana Cristina Cesar, W.G Sebald e Lyn Hejinian, entre outros exemplos de autores não relacionáveis diretamente com o cinema godardiano, tenho como eixo questões conceptivas de seus projetos escriturais, permeáveis a encruzilhadas sincrônicas com os filmes que ele realiza no mesmo decurso de tempo.



[Fonte: www.oglobo.globo.com]

Sem comentários:

Enviar um comentário