Na semana
passada, vimos títulos jornalísticos que obrigam o leitor a contorcionismos
e/ou não apresentam o sentido pretendido pelo redator. O primeiro exemplo que
citei foi este: "Madonna diz que durante evento ainda ama...". Como
vimos, teria bastado deslocar a conjunção "que" para que se
transmitisse o sentido desejado: "Madonna diz durante evento que ainda
ama...".
É provável
que alguns leitores perguntem se não seria possível outra ordem e/ou se não
seria possível pôr "durante evento" entre vírgulas.
Comecemos
pela segunda questão. Sim, seria perfeitamente possível pôr "durante
evento" entre virgulas. Note que a palavra "vírgulas" está no
plural, ou seja, nada de cometer um dos erros mais comuns quando se trata de
pontuação.
Que erro é
esse? É o da "vírgula solteira", aquela que abre, mas não fecha, ou
fecha, sem ter aberto...
Tradução:
escreve-se "Madonna diz durante evento que ainda ama..." ou
"Madonna diz, durante evento, que ainda ama...". Nada de
"Madonna diz durante evento, que ainda ama..." ou "Madonna diz,
durante evento que ainda ama...".
Percebeu
onde está o nó, caro leitor? O complemento da forma verbal "diz" é
aquilo que Madonna diz, certo? E o que é que Madonna diz? "Que ainda
ama..." Entre a forma verbal "diz" e o seu complemento ocorre a
expressão "durante evento", que indica quando Madonna diz o que diz.
Isola-se essa expressão temporal COM DUAS VÍRGULAS ou NÃO SE PÕE NENHUMA.
Vamos à
segunda questão (aquela que se refere à ordem dos termos). É claro que seria
possível começar pela expressão temporal: "Durante evento, Madonna diz
que..."; "Durante evento Madonna diz que...". Agora ou se coloca
uma vírgula ou não se coloca nenhuma.
Vale a pena
lembrar que, quando a expressão adverbial (de tempo, lugar, causa etc.) for
muito longa, a opção pelo emprego da/s vírgula/s se torna quase obrigatória:
"Numa tumultuada sessão de autógrafos, Madonna diz que ainda ama...";
"Madonna diz, numa tumultuada sessão de autógrafos, que ainda
ama...".
Vejamos um
título recentíssimo: "Engenheiros, antes escassos, agora sobram no mercado
brasileiro".
O título é
perfeito, em relação à ordem e à pontuação. A frase talvez atingisse mais o
alvo com esta ordem: "Antes escassos, engenheiros agora sobram no mercado
brasileiro". Note que a opção por essa ordem praticamente exige que se
ponha o termo "engenheiros" logo depois da expressão "antes
escassos", que claramente se refere a "engenheiros".
A opção por
"Antes escassos, agora engenheiros sobram no mercado brasileiro" não
seria das piores, mas algo como "Antes escassos, agora sobram engenheiros
no mercado brasileiro" já começa a criar os tais contorcionismos desnecessários.
A sintaxe é
um balé, caro leitor; é uma sinfonia. Não é por acaso que "sintaxe" e
"sinfonia" começam pelo prefixo grego "sin-". Aliás, vale a pena tratar disso um belo dia.
Sugiro que
você se divirta reescrevendo o título de outras maneiras, sem esquecer a
harmonia, a elegância e a pontuação, é claro. Ajudo com uma hipótese: "No
mercado brasileiro, agora sobram engenheiros, antes escassos". Que tal?
Ruinzinha, não? Embora gramaticalmente correta, essa construção nem de longe
tem a elegância, a clareza e a força das duas primeiras.
Estilo é
tudo, caro leitor. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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