Escrito por Pasquale Cipro Neto
Domingo é Dia das Mães, efeméride que, para muitos, é meramente comercial, o que não dá a ninguém o direito de desrespeitar o sentimento dos que pensam de outra maneira.
Domingo é Dia das Mães, efeméride que, para muitos, é meramente comercial, o que não dá a ninguém o direito de desrespeitar o sentimento dos que pensam de outra maneira.
Seria
possível citar grandes textos que louvam a mãe, como o memorável "Para
Sempre" (de Carlos Drummond de Andrade), que contém estas passagens:
"Por que Deus permite que as mães vão-se embora? (...) Morrer acontece /
com o que é breve e passa / sem deixar vestígio. / Mãe, na sua graça, / é
eternidade. / Por que Deus se lembra / –mistério profundo–/ de tirá-la um dia?
/ Fosse eu Rei do Mundo, / baixava uma lei: / Mãe não morre nunca...".
Quero falar
de um texto que não é propriamente laudatório. Refiro-me a uma oração católica,
a Ave-Maria, dedicada à mãe de Cristo, portanto à "mãe" de todos os
seguidores Dele. Quero tratar duma questão linguística específica –as formas de
tratamento empregadas nessa conhecidíssima oração católica.
Começo por
"Bendita sois vós entre as mulheres". Por que o emprego do pronome
"vós", da segunda do plural, se o ser a que se refere o trecho é
apenas um ("Maria")? O "Houaiss" diz que esse pronome
indica "aqueles a quem se fala ou escreve" (o exemplo é "Vós
sois bons"). Certamente não é esse o caso da "Ave-Maria", oração
em que se verifica um emprego muito específico desse pronome pessoal, o de
indicar uma divindade, um santo etc.
Não é por
acaso que noutra oração católica, o "Pai-Nosso", temos o mesmo fato
("que estais no céu"). A forma "estais", da segunda do
plural do presente do indicativo de "estar", refere-se a um
"vós" subentendido, que, por sua vez, se refere ao Pai, que também é
um só. É isso que explica o adjetivo "bendita", no singular, em
"Bendita sois vós entre as mulheres". Embora "vós" e
"sois" estejam no plural, o ser ao qual esses termos se referem é do
singular.
E por que no
"Pai-Nosso" a forma verbal "estais" tem "s"
final, mas na "Ave-Maria" a forma verbal "rogai" não o tem?
É simples: "estais" é do presente do indicativo; "rogai" é
do imperativo (afirmativo). Isso significa que: a) "estais" indica um
fato real, um processo posto no plano da realidade (afirma-se que o Pai Nosso
está no céu); b) "rogai" indica uma ordem, uma súplica, um pedido, ou
seja, não se afirma que Maria roga por nós; pede-se a Ela que rogue por nós.
Convém
lembrar que as duas segundas pessoas ("tu" e "vós") do
imperativo afirmativo resultam da eliminação do "s" final das
respectivas flexões do presente do indicativo. É isso que explica as formas
"livrai" e "perdoai" ("livrai-nos do mal";
"perdoai as nossas ofensas") do "Pai-Nosso". Não se afirma
que o Pai nos livra do mal e perdoa as nossas ofensas; pede-se a Ele que nos
livre do mal e que perdoe as nossas ofensas. "Livrai" e
"perdoai", da segunda do plural do imperativo afirmativo,
respectivamente, resultam da supressão do "s" final das respectivas
formas do presente do indicativo ("vós livrais"; "vós
perdoais").
Burramente,
a escola de hoje não ensina mais nada disso (com honrosas exceções, é claro).
Movidas por mirabolantes teses de falsa modernidade linguística, as escolas
ocultam o que não faz parte da "língua viva". E aí a rapaziada sai da
escola sem entender não só a "Ave-Maria" e o "Pai-Nosso",
mas também os clássicos brasileiros e portugueses, por exemplo. Isso não é
modernidade, não; é obscurantismo puro (ou burrice mesmo). É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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