Diga lá, caro leitor: você age
com "espontaneidade" ou com "espontaniedade"? E o que se
exige para o exercício de alguns ofícios (o de político, por exemplo): atestado
de "idoneidade" ou de "idoniedade"?
Ontem, durante o
trajeto de casa para o jornal, ouvi pelo rádio do carro um figurão nacional
dizer que sempre age com "espontaniedade".
Está aí um dos
tantos casos de palavras traiçoeiras, que volta e meia usamos ou ouvimos numa
forma inadequada, "parecida" com a correta, mas incorreta. Age-se com
"espontaneidade" (nome da qualidade ou do caráter de espontâneo).
Como ensinam os bons
fundamentos dos estudos linguísticos sérios, em geral o falante não
"inventa" formas (palavras, construções) a partir do nada, o que
significa que teoricamente (quase) sempre há alguma explicação para a
"invenção".
No caso de
"espontaniedade", a razão do equívoco pode estar no fato de que
talvez usemos mais adjetivos terminados em "-io", que dão origem a
substantivos terminados em "-iedade", do que os terminados em
"-eo", que dão origem a substantivos terminados em
"-eidade". Outra razão pode estar na questão fonética, já que em boa
parte do país o "e" da terminação "-eo" de
"idôneo" ou "simultâneo", por exemplo, tende a ser pronunciado
como "i", o que pode levar o falante a "igualar" a
terminação dos substantivos.
Os adjetivos
terminados em "-io" talvez nos venham à mente mais rapidamente do que
os que terminam em "-eo": "sério", "transitório",
"obrigatório", "sóbrio", "impróprio"... Dessa
turma, fazemos, respectivamente, "seriedade",
"transitoriedade", "obrigatoriedade",
"sobriedade", "impropriedade"...
E os adjetivos
terminados em "-eo"? Vejamos alguns: "idôneo",
"heterogêneo", "homogêneo", "espontâneo",
"simultâneo", "contemporâneo". Como ficam os substantivos
abstratos derivados dessa turma? Tome cuidado: eles terminam em "-eo"
e não em "-io", portanto nada de "iedade"; o que temos
agora é a terminação "-eidade": "idoneidade",
"heterogeneidade", "homogeneidade",
"espontaneidade", "simultaneidade",
"contemporaneidade".
Leia novamente a
listinha acima. Atire a primeira pedra aquele que nunca trocou a terminação
"-eidade" dessas palavras por "-iedade". Os corretores
ortográficos mais recentes não nos deixam perceber o erro. Uma forma errada
como "idoniedade", por exemplo, é automaticamente trocada pela
correta ("idoneidade"). Nesse caso, o corretor lembra a TV naquela
genial canção dos Titãs ("A televisão me deixou muito burro, muito burro
demais...").
É sempre melhor
saber o que se faz, o que exige conhecimento, que é muito diferente da
automação.
Aproveito para
lembrar que é preciso tomar cuidado com palavras como "japonesinho",
"princesinha" ou "pretensioso", entre tantas outras. No
caso das duas primeiras, o piloto automático nos faz escrevê-las com
"z", já que o diminutivo... O fato é que as duas derivam,
respectivamente, de "japonês" e "princesa", em que há
"s" na última sílaba. Esse "s" fica nos termos derivados.
No caso de
"pretensioso", o piloto automático nos faz morrer de vontade de
tascar um "c". "Ganancioso", "malicioso", "tendencioso",
entre tantas outras, são grafadas com "c". Essas três palavras
derivam, respectivamente, de "ganância", "malícia" e
"tendência", que se escrevem com "c", enquanto
"pretensioso" deriva de "pretensão"...
Como dizia um velho
e conhecido telejornalista, a ortografia não tem a menor importância, mas pode
arruinar reputações... É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
Sem comentários:
Enviar um comentário