Por MANUEL DA COSTA PINTO
Prestes a completar 90 anos, Dalton Trevisan tem quase 50
livros na bagagem, em geral compostos por contos habitados por maníacos que
buscam no sexo uma epifania que apenas aprofunda a condição de pobres diabos.
E isso numa Curitiba que, de
tanto ter suas praças cinzentas e seus quartos de pensão esquadrinhados, foi
compondo uma espécie de espaço mítico rebaixado, ou que faz do rebaixamento uma
forma de criar uma mitologia infernal, escorada na repetição de taras e
obsessões dentro de narrativas cada vez mais elípticas.
Em "O Beijo na
Nuca", temos um livro diferente, sem erotismo explícito e no qual Curitiba
só aparece de relance.
Os contos continuam curtos,
mas comparativamente mais longos do que as cenas microscópicas e os diálogos
que compunham coletâneas como "Pico na Veia" (2002), "Arara
Bêbada" (2004) ou "O Anão e a Ninfeta" (2011).
E, sobretudo, são contos de
caráter bastante imagéticos, de caráter lírico, evocativo.
Os pobres diabos continuam lá,
como o suicida do conto "Nicanor", que mede a vida em cálices de
conhaque e citações roubadas, ruminando como um Drummond da sarjeta.
"Ai, vida, ai, vidinha
besta, rumo ao banco na sombra, à espera vã de uma epifania."
E das tais epifanias, agora
despidas de obscenidades, só resta a retórica de bolero que havia em
"Desgracida" (2010): "No exílio das muitas águas chorei amores
perdidos", escreve em "A Ilha".
EXPORTAÇÃO
Sabe-se lá se o "vampiro
de Curitiba" algum dia abandonou seu tugúrio, onde vive encastelado
recusando entrevistas e indiferente a honrarias –como o prêmio Camões,
"Nobel da língua portuguesa" que lhe foi atribuído em 2012–, para
viajar pela Europa.
O fato é que "O Beijo na Nuca" exporta a
provinciana Curitiba para cidades como Roma ou Munique.
Em "Viena", por
exemplo, a metáfora cosmopolita da Belle Époque, a cidade de Sigmund Freud e
Gustav Mahler, é reduzida à imagem desoladora de um vetusto parque de
diversões, com seu carrossel e seus quiosques por onde uma velha empurra um
velho sem pernas na cadeira de rodas.
E, em "Alhambra", os
átrios e serralhos de Granada, recendendo a tâmaras, damascos e nenúfares, são
imagens cuja languidez passaria por clichê de revista popular, se não
percebêssemos, à espreita, o olhar de um autor que contempla, entre sádico e
compassivo, os risíveis sonhos de escapar da miséria que ele vive para
escarafunchar.
O
BEIJO NA NUCA
AUTOR: Dalton Trevisan
EDITORA: Record
QUANTO: R$ 32 (144 págs.)
AVALIAÇÃO: bom
[Fonte: www.folha.com.br]
Sem comentários:
Enviar um comentário