Estava
na "capa" do UOL na sexta-feira passada: "Após vazamento,
governo discute se Levy ou Tombini assumirá a Fazenda". Alguns leitores me
escreveram para perguntar sobre a concordância da forma verbal
"assumirá". "Se os dois podem assumir, o correto não é empregar
o plural?", perguntaram alguns.
Não, caros leitores. Embora se saiba que ambos
estão no páreo, só um assumirá, por isso o verbo necessariamente fica no
singular.
Teoricamente, a coisa funciona assim: quando os
núcleos do sujeito são unidos por "ou", o verbo fica no singular se
houver ideia de exclusão e no plural se não houver ideia de exclusão. No caso
do título do UOL, a assunção de Levy exclui a de Tombini, e a de Tombini exclui
a de Levy, por isso a flexão verbal adotada pelo redator está correta.
Há casos delicados, que, por isso mesmo,
requerem sutileza na análise. Um desses casos inclui o verbo "poder".
Imagine o seguinte: o treinador já sabe que não contará com fulano de tal para
o próximo jogo. Há no elenco dois jogadores que podem desempenhar o papel de
fulano de tal. Certo de que a vaga será ocupada por um dos dois, um redator
sapeca o seguinte título: "Beltrano ou sicrano podem assumir a vaga de fulano".
E agora? E agora tudo certo, caro leitor. O
verbo "poder" obviamente indica possibilidade, potencialidade. O fato
de beltrano poder assumir a vaga de fulano não exclui a possibilidade de
sicrano assumir a mesma vaga. Moral da história: o título (com a flexão verbal
no plural) está correto.
Antes de prosseguir com o "ou", talvez
seja bom eliminar algum provável desconforto causado pela forma
"sicrano", com "s" (e "r" depois do
"c"). Muita gente apostaria o que tem e o que não tem em "ciclano",
forma bem mais comum do que a registrada nos dicionários ("sicrano").
Os dicionários dizem que "fulano" vem
do árabe ("fulan", que corresponde a "alguém") e que
"beltrano" vem do espanhol (do antropônimo "Beltrano", que
em português corresponde a "Beltrão"). E "sicrano"? Os
dicionários dizem que é termo de origem controvertida. Normalmente, empregam-se
esses três termos na sequência "fulano, beltrano e sicrano", com
inicial minúscula.
Voltando ao "ou", convém lembrar que
muitas vezes esse conectivo tem valor mais aditivo do que alternativo, como se
vê num caso como este: "Castanha-do-pará ou pinoli funcionam bem para a
preparação de um bom pesto verde". A receita original do pesto genovês
(que é verde) inclui o pinolo (singular; o plural é "pinoli"). O
pinolo é uma espécie de miniminiminipinhão, mas, como esse ingrediente é caro
(e um tanto raro no Brasil), pode-se substituí-lo por castanha-do-pará. Em
suma, os dois podem cumprir o papel, o que significa que um não exclui o outro.
Moral da história: o verbo fica mesmo no plural
("Castanha-do-pará ou pinoli funcionam bem para a preparação do pesto
verde").
Como no exemplo relativo aos dois jogadores que
podem substituir o titular, o "ou" do último exemplo pode ser
substituído por "e": "Beltrano e sicrano podem assumir a vaga de
fulano"; "Castanha-do-pará e pinoli funcionam bem para a preparação
de um bom pesto verde".
Mais uma vez, vê-se que a gramática deve andar
junto com o bom senso, a percepção, a sensibilidade. Regras frias são pouco
inteligentes; menos inteligente ainda é aplicá-las secamente, insensivelmente.
É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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