Por SYLVIA COLOMBO
RESUMO - Autor
de best-seller sobre Máfia aborda narcotráfico em nova obra, que chega ao
Brasil em setembro, trazendo capítulo adicional sobre o país. "Zero Zero
Zero" cobre desde o acordo entre México e Colômbia para controle da
produção e distribuição na América Latina, nos anos 80, até números atuais da
gigante economia do pó.
"Escrever sobre a cocaína
é como consumi-la", relata Roberto Saviano, 34. "Cada vez você quer
mais notícias, mais informações, e as que encontra são tão suculentas que você
já não pode prescindir delas. Você é um viciado."
Assim o jornalista italiano
descreve seu trajeto pelos bastidores do narcotráfico, que resultou em
"Zero Zero Zero" [trad. Federico Carotti, Joana Angélica d'Avila
Melo, Marcello Lino e Maurício Santana Dias, Companhia das Letras, 400 págs.,
R$ 54].
Obra mais recente do italiano
autor de "Gomorra" (2006) -em que trata da Máfia em seu país, vendeu
mais de 10 milhões de cópias e foi adaptado para o cinema-, "Zero Zero
Zero" mostra como se armou a rede internacional de narcotráfico na qual a
América Latina tem um papel fundamental.
A edição brasileira, a ser
lançada no final do mês que vem (e da qual a "Ilustríssima" publica
trechos em primeira mão), traz capítulo extra sobre o país, que, segundo
Saviano, "na geopolítica do pó, parece uma voragem". Com seu exército
de estimados 2,8 milhões de consumidores, o Brasil ocupa o segundo lugar nessa
categoria no mundo, atrás dos Estados Unidos.
As atenções de Saviano, porém,
recaem principalmente sobre o México. "É a origem de tudo", escreve.
O mundo em que ora respiramos é China, é Índia, mas também é México. Quem não
conhece o México não pode entender como funciona hoje a riqueza neste planeta.
Quem ignora o México nunca compreenderá o destino das democracias
transfiguradas pelos fluxos do narcotráfico."
A investigação de Saviano
recupera o acordo realizado nos anos 1980 entre o chefe do cartel colombiano de
Medellín, então o mais poderoso do mundo, Pablo Escobar (1949-93), e Miguel
Ángel Félix Gallardo, "o czar mexicano da cocaína", conhecido como El
Padrino, hoje cumprindo pena de 40 anos de prisão.
O fato de um estar morto e o
outro encarcerado não muda nada. Saviano mostra como o narcotráfico tem, nos
dias de hoje, prescindido dos grandes chefões caricatos do passado,
transformando-se numa megaempresa capitalista de ramificações internacionais.
As lideranças, crê, tendem à diluição.
Pelo acordo, os colombianos
ficavam com a produção de cocaína, enquanto delegavam aos mexicanos o controle
das rotas de distribuição para os Estados Unidos.
Com o tempo, e a exemplo do
que acontece em outros tipos de indústria, o distribuidor passou a ser mais
poderoso que o produtor. A partir do desmantelamento dos cartéis colombianos
nos anos 1990, por conta de ações do Exército local e com ajuda
norte-americana, os mexicanos assumiram o controle do negócio. A produção espalhou-se
por vários países latino-americanos -inclusive para alguns que não tinham
tradição na área, como a Argentina-, e o México especializou-se na
distribuição, desenvolvendo milhares de rotas por ar, água, terra e subsolo
(através de uma rede de túneis).
LIQUIDEZ
"Se neste momento eu
investir US$ 1.000 em ações de petróleo e estiver indo bem, posso ganhar em um
ano US$ 1.200, US$ 1.400. O mesmo se dá se eu investir em ações da Apple. Mas,
se investisse em cocaína, ganharia nada menos do que US$ 182 mil. A cocaína é
um mercado imenso, que traz liquidez econômica, um mercado que não conhece
crise", disse Saviano em entrevista ao jornal argentino "La
Nación".
O livro pinta um retrato
inédito sobre como operam os principais cartéis mexicanos. Os Caballeros
Templarios, ultrarreligiosos e disciplinados, hoje dominam o Estado de
Michoacán, onde o governo nacional e o Exército já não conseguem atuar, e estão
se aliando a milícias civis. Os Zetas, conhecidos como os mais sanguinários,
promovem degolas e mutilações de suas vítimas, em ataques para demarcar
territórios, e produzem vídeos de suas atrocidades para distribuir em redes
sociais ("são o narcotráfico 2.0").
Há, por fim, aquele cartel que
até fevereiro deste ano era o mais poderoso e rico, o de Sinaloa, cujo líder
foi preso quando tentava se esconder num hotel em Mazatlán, na costa do
Pacífico.
Joaquín Guzmán Loera, El Chapo
Guzmán, hoje com 59 anos, foi por muitos anos o homem mais buscado pelos
Estados Unidos no exterior depois do terrorista Osama Bin Laden. Tido como o
mais profissional dos cartéis, o de Sinaloa era o menos sangrento e o que
atuava em mais frentes, distribuindo não só cocaína como metanfetamina, heroína
e maconha produzidas no próprio México.
A prisão do Chapo (que quer
dizer "baixote", apelido que advém de sua pequena estatura, 1,68 m)
obrigou Saviano a reescrever partes de "Zero Zero Zero".
A edição que sai no Brasil é a
atualizada. Além de abordar a prisão de Guzmán e analisar o que isso representa
para o equilíbrio de forças entre os cartéis (o de Sinaloa perde espaço para os
Zetas), a nova versão recupera um capítulo sobre o Brasil, originalmente
deixado de fora da versão europeia -o editor italiano o havia suprimido em nome
de um volume mais enxuto, que serviu de base a traduções para o inglês e o
espanhol.
Para Saviano, a prisão de
Chapo Guzmán é uma ação ainda nebulosa -não é possível concluir claramente se o
narcotraficante se deixou prender a fim de salvar sua fortuna ou para não ser
enviado para julgamento no país vizinho.
Historicamente, os chefes da
droga latino-americanos só se desesperam com uma coisa: serem extraditados para
os EUA. "Prefiro uma tumba na Colômbia do que uma prisão nos Estados
Unidos", dizia Pablo Escobar -que, de fato, só caiu quando morto numa ação
conjunta entre polícia e Exército colombianos, em 1993.
O temor de serem enviados aos
EUA deve-se ao fato de que, dentro das prisões norte-americanas, têm seus
poderes eliminados. Isso não ocorre nas prisões latino-americanas, que, em
muitos casos, se tornam quartéis generais a partir dos quais atuam os chefes da
droga.
Um dos episódios célebres da
trajetória de Pablo Escobar se deu em 1991, quando o traficante convenceu o
governo colombiano de que construiria sua própria penitenciária e de lá não
sairia. Tudo em troca de não ser extraditado para os EUA. Hoje, a prisão de La
Catedral se transformou em local de peregrinação aos que celebram a memória do
bandido, conhecido em Medellín pelas benfeitorias realizadas em bairros pobres.
PROTEÇÃO
Desde 2006, quando a polícia italiana identificou planos
da Máfia para assassinar Saviano, o escritor se mantém escondido. Hoje vive em
Nova York, em endereço desconhecido, e com proteção 24h; concede apenas raras
entrevistas por Skype, além de participar pessoalmente de uns poucos seminários
universitários.
A investigação para "Zero
Zero Zero", Saviano não conta como foi. Sabe-se que usou uma rede de
colaboradores nos países estudados, mas em sua narrativa não surgem fontes. Ele
se considera autor de "romances de não ficção", longas reportagens
contadas em tom novelesco e livres de referências.
Em entrevistas, defende a
legalização das drogas como única maneira de acabar com essa economia paralela
que consome tantas vidas. "É a única alternativa. Dramática, mas é a
única. No momento em que as drogas forem legalizadas, explodem os
cartéis", disse à jornalista mexicana Carmen Aristegui. Saviano afirma não
ter provado drogas, nem quando adolescente. "É justamente porque não gosto
delas que gostaria de vê-las legalizadas."
Leia trechos de
"Zero Zero Zero".
SYLVIA COLOMBO, 42, é repórter
especial da Folha.
[Fonte: www.folha.com.br]
Sem comentários:
Enviar um comentário