Paro num dos semáforos da Dr. Arnaldo. Num dos
"picolés" que há na "ilha" dessa via, vê-se uma publicidade
de uma fábrica de celulares. Na parte baixa da tela, veem-se dois ou três
celulares (smartphones); na parte alta, esta frase: "Gravata não passa
futebol". Confesso que, como o genial Rolando Lero, demorei um pouco para
captar a mensagem dos gurus que a produziram.
No pouco tempo em que o sinal ficou
fechado, fiz algumas lucubrações, que incluíram a tola relação entre a gravata
e o ferro elétrico, motivada (a relação) por um dos tantos sentidos do verbo
"passar".
Ao fim e ao cabo, percebi que se tratava de uma mensagem
publicitária destinada aos filhos que porventura ainda não tivessem comprado o
presente do dia dos pais e que estivessem pensando em comprar uma gravata. A
sugestão da peça publicitária? Trocar a gravata por um smartphone. O motivo?
Gravatas não passam futebol, ou seja, gravatas não transmitem futebol (coisa
que esses smartphones moderninhos fazem com um pé nas costas, visto que muitos
deles são também aparelhos de TV digital).
Ufa! Desfeito o "mistério", fiquei pensando na
captação da mensagem. Será que a frase atinge o seu objetivo? Será que a maior
parte das pessoas que a veem capta de imediato o seu sentido? Convém notar que
se trata de mensagem dirigida especificamente a quem passa por ela rapidamente.
Embora o verbo "passar" com o sentido de
"transmitir" seja muito comum na linguagem coloquial, o seu emprego
na peça publicitária em tela não produz efeito imediato. Se no seu lugar
tivesse sido empregado o verbo "transmitir", pouco frequente na
linguagem coloquial, a captação da mensagem seria mais rápida. Ou será que o
que os redatores queriam era mesmo provocar o estranhamento, fato comum na
linguagem publicitária?
Associada às fotos dos smartphones, a frase "Gravata
não transmite futebol" decerto seria facilmente assimilada.
Se a intenção não era causar o estranhamento, essa peça
publicitária confirma a "tese" de que é populismo puro dizer que a
linguagem oral é sempre mais palatável do que a formal ou que é sempre melhor
usar termos conhecidos no lugar de palavras mais "sofisticadas". O
fato é que todos deveríamos ter um bom vocabulário passivo, aquele que se
conhece ou se deveria conhecer, mas que se usa com pouca frequência (além, é
claro, do vocabulário ativo, que se conhece e se usa com frequência). A escolha
ficaria por conta da situação, da necessidade.
Vejo muito isso nos meios de comunicação. Determinadas
palavras e construções foram sumariamente abolidas da TV, do rádio e dos
jornais/sites sob o duvidosíssimo argumento de que o ouvinte/leitor não as
conhece e/ou as acha formais demais. Muitos profissionais do jornalismo (sobretudo
os da TV) têm alergia a termos que não frequentem a linguagem coloquial. Pura
bobagem.
Essa conversa me lembra o que foi feito recentemente com uma
obra de Machado de Assis, "reescrita" em linguagem "mais
simples". Sob o tosco argumento de que as pessoas não conhecem
determinadas palavras, procedeu-se a um verdadeiro ultraje à obra do grande
Mestre. Como lembrou o professor João Cezar de Castro Rocha (da UERJ), em
recente e brilhante artigo publicado por "O Estado de S. Paulo", uma
das trocas foi a de "sagacidade" por "esperteza", como se
na língua de hoje fosse possível desprezar o tom que "esperteza"
assumiu neste infame país, repleto de "espertos" de todos os jaezes.
Deus meu, Deus meu! Devagar com o andor, moçadinha. É isso.
[Fonte:
www.folha.com.br]
Sem comentários:
Enviar um comentário