quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O tradutor do espelho

Ivan Junqueira tornou-se aos poucos uma espécie de cultor lexical elaboradíssimo

Por Marcílio Godoi
"Descansa, ó poeta. Aperto em minha mão
o que me deste: esse íntimo segredo
que me fez teu herdeiro e teu irmão.
E o resto é o vento no áspero rochedo."
(Ivan Junqueira, em Terzinas para Dante Milano)

O semblante casmurro de Ivan representa a personagem elaborada pelo próprio autor para abrigar, não como máscara, mas como construção, seus dublês de ensaísta militante e tradutor, poeta em tempo integral.

Com perfil biográfico ligado tanto ao médico quanto ao enciclopédico, o carioca Ivan Junqueira tornou-se aos poucos uma espécie de cultor lexical elaboradíssimo, escritor capaz de extrair das palavras, em seu jogo semântico, da mais clara à mais sombria, as raras tonalidades e os timbres de uma arquitetura luminosa, comovida pela exatidão rítmica de sua melancolia. 

Refratário ao hermetismo na poesia, Ivan era igualmente avesso à superficialidade de se "fazer da poesia um animal sem vísceras", o que o levava, como tradutor de si mesmo, a lograr o soerguimento desse cálculo inventivo, elaboração metafísica de seu autoexatoexaspero:


"É sobre ossos e remorsos 
que trabalho".

Marcílio Godoi é arquiteto e jornalista, autor do Pequeno Dicionário Ilustrado de Palavras Invenetas (Sagui, 2007) www.memoeditorial.com.br 

[Fonte: www.revistalingua.uol.com.br]

Sem comentários:

Enviar um comentário