Por JULIANA COISSI
Maria Aparecida foi confundida com Aparecida. Moraes, com Morais. José
da Silva, com outro de mesmo nome. Todos foram presos por crimes que não
cometeram.
Somente em São Paulo, segundo levantamento feito pela Folha, ao menos 56 pessoas foram vítimas desse tipo de equívoco desde 1994.
Foram horas, dias e até anos de reclusão por terem nomes e sobrenomes
parecidos com os dos verdadeiros suspeitos, embora não tivessem feições,
nomes dos pais nem documentos semelhantes.
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Jurandir Xavier da Cruz, 58, preso em virada do ano porque criminoso falsificou seu RG |
Somados os períodos atrás das grades, essas pessoas permaneceram presas
injustamente por sete anos, oito meses, 18 dias e 14 horas.
Há casos ainda de pessoas encarceradas porque tiveram o documento
roubado. Cumpriram pena no lugar do ladrão que lhes subtraiu o RG.
A reportagem chegou aos 56 casos a partir de ações no Tribunal de
Justiça de SP e da análise dos 96 acórdãos em que aparecem os termos
"homonímia" e "preso".
O número pode ser ainda maior. Isso porque o levantamento só inclui quem
processou o governo do Estado, responsável pelas polícias que efetuaram
as prisões.
O valor total das indenizações definidas pela Justiça nesses processos
foi de R$ 1,7 milhão. Na maioria dos casos, porém, não houve pagamento
porque o Estado ainda recorre da decisão, embora admita falhas nas
prisões.
Em algumas situações, há erros crassos, como confundir um "Barboza" com outro "Barbosa", com "s".
Num outro episódio, a polícia se valeu apenas do apelido para efetuar a
prisão. Eronildo Furtuoso Correa, o Nildo, ficou nove meses na cadeia em
2007 no lugar de outro Nildo -Leonildo. "Minha vida até hoje não entrou
no eixo", disse Eronildo.
Ele e outras vítimas desses erros relataram à Folha que ainda hoje têm problemas emocionais e que nunca mais recuperaram o emprego.
Maria Aparecida Radiuc, 58, ficou seis dias presa em 2001 ao ser
confundida com a cunhada, Aparecida Radiuc, suspeita de sequestro de um
bebê. "No caminho, só gritavam: 'Cadê o bebê? Onde o deixou'? Eu não
entendia nada", disse ela.
Cida diz que o delegado a agrediu, batendo forte em suas costas. "Na cadeia, as presas gritavam: Vai morrer!"
A maioria aguarda indenização. José Francelino da Silva, não mais. Preso por 26 horas em 2009, morreu sem reparação financeira.
Para Martim Sampaio, diretor de Direitos Humanos da seção paulista da
OAB, as prisões ocorrem por um erro "abominável", a falta de um sistema
eficiente de checagem de dados pessoais.
"A maioria dos presos neste país é pobre e tem nomes simples, como
Souza, Silva. E a polícia não verifica direito. Simplesmente prende."
INDENIZAÇÃO
As indenizações não seguem nenhum padrão. O TJ, por exemplo, condenou o
governo paulista a pagar R$ 20 mil a um PM que ficou preso 12 horas. Já
para um homem detido por dez dias, a indenização foi de R$ 5.000.
Juiz no fórum de Santana, Enéas Garcia afirmou que o TJ tem trabalhado
para tratar casos de homonímia com mais rapidez, mas reconhece
sobrecarga de processos.
Sobre valor, diz que não há uma tabela de indenizações.
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Estado diz lamentar falhas e quer acabar com erros no futuro
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse lamentar "os
episódios de prisão por homonímia" e admite que a maioria dos erros
poderia ter sido evitada.
Ainda de acordo com nota da secretaria, as polícias precisam ser dotadas
de "mecanismos tecnológicos que diminuam ou eliminem a margem de erro
humano".
Nesse sentido, diz, a pasta assinou contrato com o instituto de
identificação da Polícia Civil, para modernizar a emissão de RGs e
catalogar eletronicamente fotos e impressões digitais.
Em cinco anos, ainda de acordo com a Segurança, os dados de toda a
população paulista estarão no sistema. "Com a leitura biométrica, será
impossível a prisão por confusão de nomes provocada pela homonímia ou
uso de documentos falsos", diz.
Sobre Maria Aparecida Radiuc, que diz ter sido agredida por um delegado,
a polícia diz que a Corregedoria abriu um inquérito, mas nada foi
encontrado contra o delegado.
Segundo a secretaria, a polícia procurava uma suspeita chamada Aparecida
Radiuc. Em pesquisa no sistema da polícia, encontrou Maria Aparecida
Radiuc. "Diante das evidências" e "não tendo outro modo de apurar", diz a
nota, a polícia pediu a prisão.
Mas, durante os seis dias em que ficou presa, policiais apuraram que Maria Aparecida trabalhava no momento do crime e a soltou.
Quanto a Jurandir da Cruz, a SSP admite o erro e diz que ele foi solto
após checagem das digitais. A Corregedoria também abriu inquérito, mas o
caso foi arquivado.
Sobre Eronildo Corrêa, a pasta diz que a falha "deve ter ocorrido na formalização do inquérito policial".
O Ministério Público, que denunciou Corrêa à Justiça, diz que não tem detalhes do caso, por estar arquivado.
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