Por ALVARO COSTA E SILVA
A coxinha é de origem francesa. Mas, entre nós, de aclimatação paulista.
Segundo historiadores da alimentação, a receita aportou com a Corte
portuguesa, em 1808, e cresceu na preferência popular com a
industrialização de São Paulo: era um substituto mais barato e prático
das coxinhas de frango com osso que eram vendidas nas portas das
fábricas. Massa de farinha de trigo e caldo de galinha, com recheio de
carne de frango.
E o "coxinha"? De origem paulista, é gíria usada de forma depreciativa
para identificar certo grupo de pessoas cujo comportamento é elitista ou
afetado.
Com a rapidez da internet, via redes sociais, o termo chegou ao Rio
esnobando as ruas. Os cariocas não só já sabem identificar um "coxinha"
como adotaram a classificação, como se ela tivesse surgido numa birosca
do morro da Serrinha, nos arredores do Arpoador ou nos condomínios
fechados da Barra da Tijuca -esse último, em teoria, um lugar "coxinha".
Como toda gíria que se preze, foi usada a princípio como código em um
organismo fechado -a cadeia, a caserna, a zona de prostituição-, para só
depois conquistar novos territórios. O que espanta é que esse território
hoje seja o Rio.
Os cariocas se acostumaram a ditar modas e gírias para o Brasil inteiro.
Pelo que se escuta, não mais. Geograficamente no centro da polaridade
norte-sul, cabeça política até a mudança da capital para Brasília, com
tendência cosmopolita, o Rio chegou a ter o padrão da fala no país.
Finalmente sua praia foi invadida. E não apenas por "coxinhas". A
detestável "balada" é de uso corrente. Espera-se para breve a chegada de
"perifa", "rasgado", "parça", "breja", "monstra" e outros verbetes do
coxês-português.
É UM ASSOMBRO
Diante da invasão, nativos radicais já ensaiam protesto: carioca que diz
"coxinha" é "coxinha". O verdadeiro carioca come coxinha.
O cantor e compositor Gabriel Cavalcante, o Gabriel da Muda, é
especialista em besteiras de botequim, de preferência as bebíveis e
comestíveis. Indica como melhor coxinha do Rio a preparada no Bar da
Gema (r. Barão de Mesquita, 615, Tijuca). É tão especial que é servida
apenas um dia por semana: às terças. E é personificada: atende por
coxinha da Luiza, com todo o respeito, em homenagem à proprietária e
cozinheira. Custa R$ 4, e a receita é segredo de família.
A da tradicional Confeitaria Colombo, fundada em 1894, continua um
assombro: é do tipo coxa creme, com a coxa propriamente dita e a
sobrecoxa cozidas no caldo de legumes e ervas (R$ 10,80 a unidade). Na
hora do almoço, é a que mais sai nos luxuosos salões da rua Gonçalves
Dias, 32, centro.
CHORO MODERNO
O choro flui e reflui conforme as ondas da cidade, e sempre teve pouso
certo nos quintais dos bairros ao longo dos trilhos da antiga Leopoldina
Railway e em rodas de botequins menos barulhentos. Expoente da nova
geração, Abel Luiz toca cavaquinho, bandolim, viola caipira e violão
tenor aos sábados, a partir das 14h, no bar Adelos (r. do Mercado, 51,
Centro).
Com o violão de sete cordas de Marlon Mouzer e o percussionista Reinaldo
Pestana, Abel fundou o grupo Choro Novo, que acaba de lançar o CD
"Sotaques e Influências" (Pupurri Cultural, R$ 15), uma reflexão sobre
as possibilidades na contemporaneidade de um gênero surgido em ambientes
-vá lá- "coxinhas" do século 19 e depois avacalhado nas ruas.
AI, SE EU TE PEGO
João Paulo 2º preferia o aterro do Flamengo para missas campais. Como
bom argentino, o papa Francisco cruzou o Túnel Novo e aportou em
Copacabana, bairro que concentra o maior número de idosos no país. Foi
um choque ver os velhinhos lado a lado com os peregrinos, cerca de 800
mil, a maioria mulheres com menos ou pouco mais de 20 anos.
Nem Fausto Fawcett, em seus maiores delírios musicais, poderia imaginar
que Copacabana se transformaria no real "purgatório da beleza e do
caos".
Em frente aos inferninhos da avenida Prado Júnior, as lolitas de Cristo
passavam cantando aos berros "Ay, si yo te agarro", versão em espanhol
para o sucesso brega-sertanejo.
Haja "namoro santo", como proposto pela igreja, para conter tanto entusiasmo.
ALVARO COSTA E SILVA, o "Marechal", 50, é jornalista.
[Fonte: www.folha.com.br]
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