Por Marcos de Castro
Não é preciso ter assistido nem à primeira aula de Latim – no tempo em
que existia em nossas escolas essa disciplina, cuja ausência foi um
desastre para o aprendizado da língua portuguesa – para saber que o
étimo de nosso substantivo areia é o latim arena. E, se
qualquer pessoa sabe disso até por um instinto primário, é curioso, para
usar um termo educado, como nossos locutores e comentaristas de
futebol, debruçados sobre um gramado verde-verdinho, chamam-no de
“arena”, numa impropriedade gritante.
Nero dava boas gargalhadas, num comportamento que já trazia latente a
sua loucura final, quando via os cristãos enfrentando os leões na arena.
Nesse caso, se havia rictus de loucura na face do imperador,
pelo menos o termo era totalmente apropriado: o chão da luta dramática
entre homem e fera era de areia. Está aí para prová-lo até hoje o
Coliseu.
Homem e touro se enfrentavam na arena nas touradas de Madri,
brutalidade da qual já não se ouve falar, graças a Deus e ao bom-senso
do povo espanhol, que afinal prevaleceu. E o sangue, do toureiro ou do
animal – na maior parte das vezes, de ambos –, rolava sobre a areia.
Também aí, se faltava sensibilidade para promover-se o espetáculo
brutal, não faltava correção linguística ao denominar-se o local como
arena de touros, pois o chão, no caso, sempre foi arenoso.
Mas – ora bolas! –, se o chão é de relva verdejante, é rigorosamente
impróprio chamar de “arena” nossos campos de futebol, como fazem hoje
locutores e comentaristas nas transmissões de nossa televisão. O diabo é
que erros infelizmente costumam se espalhar como uma peste, e nem será
exagero dizer que, neste caso, o equívoco vem sendo tão contagioso como a
peste negra que, em números redondos, matou 50 milhões de pessoas na
Europa e na Índia no século XIV.
E nossos pobres ouvidos têm sido obrigados a aturar os nossos
profissionais que transmitem espetáculos esportivos se referirem à arena
daqui, à arena de lá, à arena não sei de onde. Assim, já são dezenas de
arenas por esse Brasilzão. O velho linguista e filólogo mineiro Aires
da Mara Machado Filho (1909-1985), a cujo livro mais conhecido peço
emprestado o título deste pequeno artigo – e a cuja memória presto
homenagem aqui – deve estar se revirando no túmulo diante da violência
de tal impropriedade. O bom Aires era cego, ou quase isso, mas via como
ninguém os crimes cometidos contra o idioma.
Impropriedade escandalosa
A nova praga começou a se espalhar a partir de Curitiba, lembra-me bem.
Lá, há uma boa meia dúzia de anos, pouco mais ou menos, o estádio do
Atlético Paranaense, em sua reinauguração, se não estou enganado,
começou a ser chamado de “Arena da Baixada”. Não sei que Baixada é essa,
mas sei que a falta de espírito crítico leva as pessoas a repetirem
bobagens sem qualquer raciocínio. Assim, o rastilho, aceso na capital do
Paraná, espalhou-se por todo o Brasil. Agora parece que querem banir em
definitivo o bom e velho termo estádio, na Grécia antiga apenas uma
medida de comprimento, mas que evoluiu até seu sentido atual sem dar
saltos, como recomendam a natureza e o caminho normal da evolução
semântica.
Insensíveis a esse longo caminho percorrido pela palavra estádio em sua
evolução serena, parece que agora querem bani-la em definitivo do nosso
léxico.
Recentemente, o tão tradicional Estádio Independência, do simpático
América mineiro, foi reinaugurado depois de uma ampla reforma. Mudou-se
quase tudo e, nessa ânsia de mudar por mudar, o nome antigo foi de
cambulhada: agora é “Arena Independência” como, não sem um certo
desencanto, quem está na arquibancada (ou vendo pela TV) pode ler no
teto do espaço dos reservas.
É arena de cá, arena de lá, arenas pululam por todo o Brasil. O verbo
aí usado é muito adequado, a começar pela reiteração sonora das sílabas.
A denominação “arena”, carregando sua escandalosa impropriedade
semântica, tem se repetido como doença contagiosa de Norte a Sul.
Espera-se porém, de mãos postas, que o nosso Maracanã, templo do futebol
no Brasil, ao ser reinaugurado no ano cuja entrada estamos na bica para
comemorar, não nos dê o vexame – que seria lamentável, para não dizer
criminoso – nem o desgosto de reabrir como arena Maracanã. Credo em
Cruz, diziam os antigos, benzendo-se. E nós repetimos, cruzando os
dedos.
***
[Marcos de Castro é jornalista]
[Fonte: www.observatoriodaimprensa. com.br]

Sem comentários:
Enviar um comentário