Escrito por Fábio Visnadi
“A cor da romã” foi tecido por Sergei Parajanov.
Simples assim. Talvez não haja melhor termo para descrever o processo de
criação dessa obra senão a analogia da tapeçaria soviética (ou armênia,
geórgia, ucraniana – mas não, realmente, soviética não). Uma espécie de tapete
bizantino, composto de uma plasticidade gritante; uma espécie de teatro
bidimensional que evoca às tradições armênias (anuladas pelo comunismo
soviético); um manifesto em sua totalidade à todas as artes, uma homenagem à
poesia e a música trovadorista; mas sobretudo ao cinema, buscando novas formas,
rompendo alguns conceitos antigos e levantando alguns debates cinematográficos,
estabelecendo uma espécie de paradoxo entre o moderno e o clássico, entre o
erudito e o popular.
Não se pode dizer que a proposta de “A cor da romã” não seja muito evidente. Logo nos primeiros minutos, Paranajov assume um
certo tom didático (talvez o único momento da obra) onde explica o que se
sucederia no decorrer da película. A inovação consiste no modo único de Parajanov
contar uma história. Fragmentado, sem uma linearidade convencional. Não existe
aqui nem mesmo o tempo psicológico, tampouco a tridimensionalidade/perspectiva
do cinema. Parajanov filma os quadros e as sequências de frente para a tela,
num caráter realmente bidimensional. Provavelmente a sensação que o armênio
buscava passar era a da tapeçaria.
A tapeçaria pois o diretor queria reafirmar as
raízes armênias. Para isso, utilizou-se desse e de outros artefatos, como a
música trovadora (presente em muitos de seus filmes como temática principal,
vide “O trovador Kerib”). A ligação do poeta com a terra é evocada fortemente
no decorrer da película. No entanto, não se trata de um nacionalismo bobo e
exacerbado. Parajanov busca o nacionalismo platônico, o romantismo, e é aí que
o armênio funciona tão bem em sua fábrica de sensações. “A cor da romã” é uma
experiência sensorial muito forte.
É diferente do que fazia Tarkovsky (só pra
figurar um de seus “conterrâneos” e influências). O russo evocava um
transcedentalismo através da esculturação do tempo, da montagem, da decupagem.
Já a “escultura” de Parajanov reside no aspecto plástico. Parajanov está mais
perto do simbolismo de Klimt. Sua obra não se fixa nas possibilidades do
cinema. Longe de afirmar que nessa prerrogativa resida uma qualidade ou
defeito. É apenas presença forte na obra do diretor.
Foi após “A cor da romã” que Parajanov passou a
ser comparado à Griffith e Eisenstein em quesito de linguagem. Exageros à
parte, não se encontra nas obras do cineasta uma tentativa de reinventar a
gramática cinematográfica; apenas de encontrar o melhor modus operandi para sua
narrativa particular e cultural.
Essa inventividade plástica, esse nacionalismo
romantizado e essa oposição ferrenha ao governo soviético custaram-lhe a prisão.
Perseguido pela URSS pela simples reafirmação das tradições culturais de seu
povo (sem ter de apelar para a supremacia dela sobre às demais, apenas
destacando-lhe seu devido valor) garantiram-lhe o apelo de seus colegas de
profissão. A intercessão de Tarkovsky, Godard, Truffaut, Buñuel, Fellini,
Antonioni foi positiva apenas no âmbito de conceder ao cineasta prestígio
mundial. Passou quatro anos preso.
Sua dramaturgia da cor, a atmosfera criada por
sua decupagem, a frontalidade das ações aliadas à plasticidade conferem a essa
obra o status de filme de encontros: encontro do tradicional com o
contemporâneo. Do sensorial com o racional. No entanto, o armênio não fica
nunca no meio do muro e se o fica se equilibra e segue perenemente sua
caminhada de trovador cinematográfico.
Ficha Técnica: A cor da romã (Sayat Nova) - União Soviética
(Armênia), 1968
Direção: Sergei Parajanov
Elenco: Sofiko Chiaureli, Melkon Alekyan, Vilen Galstyan, Giorgi Gegechkori, Spartak Bagashvili, Medea Japaridze, Hovhannes Minasyan, Onik Minasyan
Direção: Sergei Parajanov
Elenco: Sofiko Chiaureli, Melkon Alekyan, Vilen Galstyan, Giorgi Gegechkori, Spartak Bagashvili, Medea Japaridze, Hovhannes Minasyan, Onik Minasyan
[Fonte: cinecafe.wordpress.com]
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