Por INGRID
FAGUNDEZ e DOUGLAS GAVRAS
Os haitianos se tornaram, no ano
passado, o grupo de imigrantes com maior presença no mercado de trabalho formal
brasileiro.
Dados do
Ministério do Trabalho obtidos pela Folha mostram que o número de pessoas dessa
nacionalidade no país cresceu 18 vezes entre 2011 e 2013, chegando a 14,6 mil
registrados, ante 12,6 mil portugueses, o segundo grupo mais representativo.
Com outros estrangeiros,
com destaque para cidadãos de países africanos, formam uma nova geração de
imigrantes no Brasil para a qual o país volta a ser uma "terra da
oportunidade".
As chegadas
ao país aumentaram após a crise econômica de 2009, que atingiu os EUA e países
da Europa.
Pouco
afetado então, o mercado brasileiro surgiu como uma saída para estrangeiros em
busca de emprego. O terremoto de 2010 no Haiti incrementou esse movimento.
FORMAÇÃO E OCUPAÇÃO
Os haitianos
e africanos –grupos que mais cresceram no Brasil– têm em geral formação
inferior à de muitos europeus, mas não é difícil encontrar entre eles pessoas
com cursos técnicos, graduação e pós-graduação.
Para sair de
seus países, eles precisaram pagar caro por documentos e transporte, o que
torna difícil para a classe mais baixa emigrar.
"Não é
qualquer um que tem US$ 3.000 só para chegar. É caro", diz a camaronesa
Mirabel Bejacha, 32.
Formada em
antropologia e sociologia, ela tem pós-graduação em marketing e hoje trabalha
como assistente de cozinha em um bufê.
Como validar
os diplomas pode levar anos e custar milhares de reais em trâmites, imigrantes
qualificados como Bejacha acabam em postos de baixa remuneração.
Segundo o
Ministério do Trabalho, o setor que mais contrata haitianos é o industrial,
seguido pelo de serviços.
O padre
Paolo Parise dirige o Centro de Estudos Migratórios, parte da Missão Paz de São
Paulo, que ajuda imigrantes a conseguirem vagas. Ele diz que, só em agosto, 500
postos foram oferecidos.
"Gostam
dos trabalhadores porque são disciplinados. As pessoas veem potencial."
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Brasileiro vê no imigrante chance de preencher vagas
preteridas
"Depois
da crise financeira, o movimento de imigração se caracterizou por estrangeiros
de países e continentes que não eram tradicionais no Brasil –haitianos,
africanos– em busca de uma vida melhor. É um fenômeno novo”, diz Paulo Sérgio
de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE).
Os
empregadores brasileiros enxergam nos africanos e nos haitianos, que têm maior
presença na nova onda de imigração, trabalhadores capazes de ocupar funções
para as quais não encontram mão de obra local ou nas quais não a conseguem
reter.
Com o
crescimento do mercado de trabalho no país e a maior oferta de vagas na última
década, empresários reclamam que é difícil manter funcionários por mais tempo,
e a dificuldade aumenta em vagas de baixa remuneração.
A reportagem
acompanhou a palestra que é dada na Missão Paz de São Paulo, instituição que
apoia os imigrantes, para pessoas interessadas em contratar. O intuito da
conversa é esclarecer dúvidas e discutir a situação dos estrangeiros, a fim de
evitar casos de exploração.
Nas duas
horas em que estiveram lá, os empresários comentaram as dificuldades que dizem
encontrar com a mão de obra brasileira.
Em uma das
reuniões, que ocorreu em setembro, a dona de um serviço de bufê em Santo André,
Gil Gondim, disse que procurava dois funcionários: uma ajudante de cozinha e um
ajudante geral.
Chegou à
missão ao ler reportagens descrevendo haitianos como bons trabalhadores.
"Tive muito problema com brasileiros. A oferta de vagas é grande, e não há
comprometimento. Já o imigrante tem cultura de trabalho."
ECONOMIAS
O processo é
semelhante ao que ocorreu em economias mais desenvolvidas, onde estrangeiros
ainda ocupam vagas preteridas no mercado (o exemplo mais conhecido é o dos
mexicanos nos EUA).
João
Marques, sócio-fundador da consultoria de imigração corporativa Emdoc,
reconhece esse movimento, mas faz ressalvas quanto a sua abrangência e duração.
Ao lado da
entidade de defesa dos direitos humanos Cáritas, a Emdoc ajuda na contratação
de refugiados.
Marques diz
que a maioria dos imigrantes tem pouca qualificação, mas está sendo bem
absorvida pelo mercado.
No entanto,
afirma, se a oferta de vagas não crescer no mesmo ritmo da chegada de
estrangeiros, essa mão de obra poderá perder espaço.
Em agosto, o
país criou 101,4 mil vagas com carteira assinada. O resultado foi o menor para
o mês desde 2012.
"Não
sei até que ponto haverá esse espaço [para o imigrante pouco qualificado]. Os
países fecham os olhos quando esses trabalhadores não convêm. Fecha-se a
porteira para os pouco qualificados porque isso a gente já tem no Brasil."
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Diferença cultural é obstáculo para
patrão
A relação entre imigrantes e
empresários ainda é marcada por desinformação e pequenas tensões de convívio.
Os
empregadores são atraídos por uma mão de obra conhecida pelo comprometimento ao
trabalho. No entanto, muitos desconhecem o processo de contratação de haitianos
e africanos –grupos que se destacam na recente onda de imigração.
Dúvidas dos
estrangeiros e dificuldades de comunicação agravam esse cenário.
Em uma
terça-feira de setembro, um grupo de imigrantes africanos conversava em frente
à Igreja Nossa Senhora da Paz, em São Paulo, antes de uma reunião para o
anúncio de vagas. Ali fica a Missão Paz, que organiza encontros entre
estrangeiros e empregadores brasileiros.
"Existe
a ideia de que podemos ganhar menos. Mas o custo de vida é alto. Não podemos
escolher, porque sabem que estamos desesperados", disse o congolês Nuhu
Mohammed, 37, mecânico que está desde julho no país.
Os imigrantes ao redor concordaram.
Dizem que os brasileiros são bem-intencionados, mas criticaram os salários oferecidos.
Os valores ficam entre R$ 900 e R$ 1.500.
Os
empregadores, insatisfeitos com os funcionários brasileiros por causa da grande
rotatividade em cargos de baixa remuneração, buscam nos estrangeiros uma
contratação mais estável. E costumam ficar satisfeitos com os novos
funcionários.
Entretanto,
é comum que as vagas tenham remuneração abaixo da média. Os dois lados
reconhecem que a dificuldade de validar certificados estrangeiros no Brasil é
um obstáculo.
"Eles
são uma mão de obra subempregada. Às vezes têm boa formação, mas a revalidação
dos diplomas os afasta das carreiras originais", diz o professor da
PUC-Minas e coordenador de um trabalho da OIM (Organização Internacional para
as Migrações) Duval Fernandes.
DÚVIDAS
Muitos
empresários ignoram as diferenças entre refugiados e solicitantes de refúgio,
que podem ter a condição de refugiado negada e serem levados a deixar o país.
Além disso,
sabem pouco do que é preciso para tornar funcionário um imigrante.
"Antes,
achava que era só passar no pátio da igreja e convidá-los para trabalhar",
disse o empresário João Gondim, que tem um buffet.
O gerente de
colheita de uma empresa de agronegócios do interior paulista, Fábio Fernandes,
pensou em buscar trabalhadores no Acre, mas depois se informou do processo em
São Paulo.
Os imigrantes, por sua vez,
desconhecem os detalhes da legislação trabalhista. Fernandes, que diz ter
estudado a migração haitiana ao Brasil, conta que eles são, por cultura,
contestadores e minuciosos com o contrato.
Não são
raros os casos de africanos e haitianos que deixam o trabalho por perceber que
o salário prometido não estava no contracheque.
"Eles
são unidos e vigiam as condições de trabalho de compatriotas", disse.
A língua e
as diferenças culturais são outra barreira. Para ensinar a haitiana Barbara a
limpar a casa do jeito que a patroa desejava, a treinadora Alessandra Capella
teve que recorrer a gestos.
EBOLA
A
desinformação sobre a origem dos africanos também é um agravante. No bufê de
Godim, uma das funcionárias perguntou se a camaronesa recém-chegada poderia ter
ebola –o foco da epidemia, por ora, é em Serra Leoa, na Libéria e na Guiné.
Todas essas
questões, fazem com que os imigrantes se mantenham mais próximos de outros
estrangeiros.
"Não
temos tempo de fazer amigos brasileiros. Acabei me tornando uma referência para
imigrantes que chegam. Tiram suas dúvidas comigo", diz o eletricista
congolês Milandu Michel, 28.
[Fonte: www.folha.com.br]
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