domingo, 12 de outubro de 2014

Haitianos já são imigrantes mais contratados no Brasil

Por INGRID FAGUNDEZ DOUGLAS GAVRAS

Os haitianos se tornaram, no ano passado, o grupo de imigrantes com maior presença no mercado de trabalho formal brasileiro.

Dados do Ministério do Trabalho obtidos pela Folha mostram que o número de pessoas dessa nacionalidade no país cresceu 18 vezes entre 2011 e 2013, chegando a 14,6 mil registrados, ante 12,6 mil portugueses, o segundo grupo mais representativo.

Com outros estrangeiros, com destaque para cidadãos de países africanos, formam uma nova geração de imigrantes no Brasil para a qual o país volta a ser uma "terra da oportunidade".

As chegadas ao país aumentaram após a crise econômica de 2009, que atingiu os EUA e países da Europa.

Pouco afetado então, o mercado brasileiro surgiu como uma saída para estrangeiros em busca de emprego. O terremoto de 2010 no Haiti incrementou esse movimento.

FORMAÇÃO E OCUPAÇÃO

Os haitianos e africanos –grupos que mais cresceram no Brasil– têm em geral formação inferior à de muitos europeus, mas não é difícil encontrar entre eles pessoas com cursos técnicos, graduação e pós-graduação.

Para sair de seus países, eles precisaram pagar caro por documentos e transporte, o que torna difícil para a classe mais baixa emigrar.

"Não é qualquer um que tem US$ 3.000 só para chegar. É caro", diz a camaronesa Mirabel Bejacha, 32.

Formada em antropologia e sociologia, ela tem pós-graduação em marketing e hoje trabalha como assistente de cozinha em um bufê.

Como validar os diplomas pode levar anos e custar milhares de reais em trâmites, imigrantes qualificados como Bejacha acabam em postos de baixa remuneração.

Segundo o Ministério do Trabalho, o setor que mais contrata haitianos é o industrial, seguido pelo de serviços.

O padre Paolo Parise dirige o Centro de Estudos Migratórios, parte da Missão Paz de São Paulo, que ajuda imigrantes a conseguirem vagas. Ele diz que, só em agosto, 500 postos foram oferecidos.

"Gostam dos trabalhadores porque são disciplinados. As pessoas veem potencial." 
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Brasileiro vê no imigrante chance de preencher vagas preteridas
"Depois da crise financeira, o movimento de imigração se caracterizou por estrangeiros de países e continentes que não eram tradicionais no Brasil –haitianos, africanos– em busca de uma vida melhor. É um fenômeno novo”, diz Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Os empregadores brasileiros enxergam nos africanos e nos haitianos, que têm maior presença na nova onda de imigração, trabalhadores capazes de ocupar funções para as quais não encontram mão de obra local ou nas quais não a conseguem reter.

Com o crescimento do mercado de trabalho no país e a maior oferta de vagas na última década, empresários reclamam que é difícil manter funcionários por mais tempo, e a dificuldade aumenta em vagas de baixa remuneração.

A reportagem acompanhou a palestra que é dada na Missão Paz de São Paulo, instituição que apoia os imigrantes, para pessoas interessadas em contratar. O intuito da conversa é esclarecer dúvidas e discutir a situação dos estrangeiros, a fim de evitar casos de exploração.

Nas duas horas em que estiveram lá, os empresários comentaram as dificuldades que dizem encontrar com a mão de obra brasileira.

Em uma das reuniões, que ocorreu em setembro, a dona de um serviço de bufê em Santo André, Gil Gondim, disse que procurava dois funcionários: uma ajudante de cozinha e um ajudante geral.

Chegou à missão ao ler reportagens descrevendo haitianos como bons trabalhadores. "Tive muito problema com brasileiros. A oferta de vagas é grande, e não há comprometimento. Já o imigrante tem cultura de trabalho."

ECONOMIAS

O processo é semelhante ao que ocorreu em economias mais desenvolvidas, onde estrangeiros ainda ocupam vagas preteridas no mercado (o exemplo mais conhecido é o dos mexicanos nos EUA).

João Marques, sócio-fundador da consultoria de imigração corporativa Emdoc, reconhece esse movimento, mas faz ressalvas quanto a sua abrangência e duração.

Ao lado da entidade de defesa dos direitos humanos Cáritas, a Emdoc ajuda na contratação de refugiados.

Marques diz que a maioria dos imigrantes tem pouca qualificação, mas está sendo bem absorvida pelo mercado.

No entanto, afirma, se a oferta de vagas não crescer no mesmo ritmo da chegada de estrangeiros, essa mão de obra poderá perder espaço.

Em agosto, o país criou 101,4 mil vagas com carteira assinada. O resultado foi o menor para o mês desde 2012.

"Não sei até que ponto haverá esse espaço [para o imigrante pouco qualificado]. Os países fecham os olhos quando esses trabalhadores não convêm. Fecha-se a porteira para os pouco qualificados porque isso a gente já tem no Brasil."
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Diferença cultural é obstáculo para patrão

A relação entre imigrantes e empresários ainda é marcada por desinformação e pequenas tensões de convívio.

Os empregadores são atraídos por uma mão de obra conhecida pelo comprometimento ao trabalho. No entanto, muitos desconhecem o processo de contratação de haitianos e africanos –grupos que se destacam na recente onda de imigração.

Dúvidas dos estrangeiros e dificuldades de comunicação agravam esse cenário.

Em uma terça-feira de setembro, um grupo de imigrantes africanos conversava em frente à Igreja Nossa Senhora da Paz, em São Paulo, antes de uma reunião para o anúncio de vagas. Ali fica a Missão Paz, que organiza encontros entre estrangeiros e empregadores brasileiros.
"Existe a ideia de que podemos ganhar menos. Mas o custo de vida é alto. Não podemos escolher, porque sabem que estamos desesperados", disse o congolês Nuhu Mohammed, 37, mecânico que está desde julho no país.

Os imigrantes ao redor concordaram. Dizem que os brasileiros são bem-intencionados, mas criticaram os salários oferecidos. Os valores ficam entre R$ 900 e R$ 1.500.

Os empregadores, insatisfeitos com os funcionários brasileiros por causa da grande rotatividade em cargos de baixa remuneração, buscam nos estrangeiros uma contratação mais estável. E costumam ficar satisfeitos com os novos funcionários.

Entretanto, é comum que as vagas tenham remuneração abaixo da média. Os dois lados reconhecem que a dificuldade de validar certificados estrangeiros no Brasil é um obstáculo.

"Eles são uma mão de obra subempregada. Às vezes têm boa formação, mas a revalidação dos diplomas os afasta das carreiras originais", diz o professor da PUC-Minas e coordenador de um trabalho da OIM (Organização Internacional para as Migrações) Duval Fernandes.

DÚVIDAS

Muitos empresários ignoram as diferenças entre refugiados e solicitantes de refúgio, que podem ter a condição de refugiado negada e serem levados a deixar o país.

Além disso, sabem pouco do que é preciso para tornar funcionário um imigrante.

"Antes, achava que era só passar no pátio da igreja e convidá-los para trabalhar", disse o empresário João Gondim, que tem um buffet.

O gerente de colheita de uma empresa de agronegócios do interior paulista, Fábio Fernandes, pensou em buscar trabalhadores no Acre, mas depois se informou do processo em São Paulo.

Os imigrantes, por sua vez, desconhecem os detalhes da legislação trabalhista. Fernandes, que diz ter estudado a migração haitiana ao Brasil, conta que eles são, por cultura, contestadores e minuciosos com o contrato.

Não são raros os casos de africanos e haitianos que deixam o trabalho por perceber que o salário prometido não estava no contracheque.

"Eles são unidos e vigiam as condições de trabalho de compatriotas", disse.

A língua e as diferenças culturais são outra barreira. Para ensinar a haitiana Barbara a limpar a casa do jeito que a patroa desejava, a treinadora Alessandra Capella teve que recorrer a gestos.

EBOLA

A desinformação sobre a origem dos africanos também é um agravante. No bufê de Godim, uma das funcionárias perguntou se a camaronesa recém-chegada poderia ter ebola –o foco da epidemia, por ora, é em Serra Leoa, na Libéria e na Guiné.

Todas essas questões, fazem com que os imigrantes se mantenham mais próximos de outros estrangeiros.

"Não temos tempo de fazer amigos brasileiros. Acabei me tornando uma referência para imigrantes que chegam. Tiram suas dúvidas comigo", diz o eletricista congolês Milandu Michel, 28.

[Fonte: www.folha.com.br]






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