Não “corta com a tradição do bairro”, reata com ela evocando os tempos em que aí viveu uma comunidade judaica.
Escrito por ESTHER MUCZNIK
Estudiosa de temas judaicos
O processo que tornou possível a criação do Museu Judaico de Lisboa data de 1996. Foi precisamente há 21 anos que, em nome da Comunidade Israelita de Lisboa, fiz a proposta ao então presidente da Câmara de Lisboa, João Soares. A proposta foi bem acolhida, mas não havia meios disponíveis. Apesar disso, ao longo dos anos nunca desistimos: falámos com todos os presidentes que se sucederam, elaborámos programas museológicos, projectos de arquitectura, estudos de viabilidade, visitámos espaços diferentes, em locais diferentes. Mas os meios escasseavam de um lado e do outro. Até que a oportunidade surgiu ainda no mandato de António Costa e principalmente na gestão de Fernando Medina o que, ao desbloquear a situação, nos permitiu receber o apoio financeiro fundamental da Fundação Lina e Patrick Drahi, viabilizando o Museu.
Lisboa vai ter assim um museu judaico. Um museu que vai contar pela primeira vez ao grande público português e estrangeiro, a longa e rica história da presença judaica em Portugal e da sua cultura específica. Uma história que se inicia antes mesmo da nacionalidade, mas que dela faz parte integrante. Um trecho dessa história aconteceu em Alfama, onde ainda se pode ver uma rua a “Rua da Judiaria” que vai ter directamente ao Largo de São Miguel onde será o futuro museu. Foi aí que os judeus criaram no reinado de D. Pedro I um dos seus bairros judaicos, a Judiaria de Alfama. Aí também edificaram a sua sinagoga entre 1373-74, cuja localização identificada por Augusto Vieira da Silva se situava no nº 8 do Beco das Barrelas, a poucos metros do espaço previsto para o Museu Judaico. Foi aí que terão vivido até ao édito de expulsão e baptismo forçado em 1496-97. Por tudo isto, sim, tem todo o sentido o museu situar-se no local onde viveu uma comunidade judaica. E não, não “corta com a tradição do bairro”, reata com ela evocando os tempos em que aí viveram, em convivência com a população em redor.
É essa convivência que o Museu Judaico procurará sempre manter com a população em redor, associando-a às suas actividades e procurando interagir com ela. Esta vontade de integração e interação no bairro esteve sempre presente na mente dos seus fundadores e contrariamente ao que tem sido dito, reflecte-se no também no projecto de arquitectura do Museu: na sua altura, em primeiro lugar, que está precisamente ao mesmo nível dos prédios do Largo; no respeito, em parte significativa da sua fachada, das características dos imóveis que o rodeiam. Mas é verdade que outra parte da fachada traz um elemento contemporâneo inovador: no seu formato, no tipo de material utilizado, na estrela de David estilizada. E por que não? Existem por todo o lado inúmeros exemplos de convivência harmoniosa entre velho e novo, antigo e contemporâneo, popular e “obra de autor”. Levantaram quase sempre protestos veementes: basta lembrar como foram recebidos na altura o Centro Georges Pompidou em Paris ou o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, para já não falar do ícone da capital francesa, a Torre Eiffel ou, provavelmente, o Elevador de Santa Justa.
Não pretendo comparar o incomparável e admito perfeitamente que haja quem não goste do projecto do Museu judaico de Lisboa. Mas lembro que foi aprovado unanimemente em reunião de Câmara e pela Direcção Geral do Património Cultural. Não é pois nenhum equipamento selvagem e muito menos ao arrepio dos moradores: há vários anos que uma grande tela no espaço previsto para o museu, anuncia a sua instalação exibindo a imagem prevista para a fachada…. E contrariamente ao que tem sido escrito não se trata de nenhum “mamarracho intrusivo” em conflito com os prédios que o rodeiam, nem tirará nenhum “protagonismo” à Igreja de São Miguel com a qual viveremos, estou certa, em diálogo ameno…
[Fonte: www.publico.pt]
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