Conhecida pela força no mundo da música, capital alemã atraiu também
variada gama de escritores estrangeiros nas duas últimas décadas.
Programas de intercâmbio são incentivo, mas língua ainda é uma barreira.
Autor: Ricardo Domeneck
Edição: Rafael Plaisant
Não é incomum encontrar turistas no metrô de Berlim com livros como Adeus a Berlim
(1939), de Christopher Isherwood, em vez de guias turísticos. O autor
do mais famoso livro sobre a capital alemã escrito por um estrangeiro
viveu na cidade nos anos 20 e 30 do século passado, em busca de uma vida
sexual mais livre do que a Inglaterra de então oferecia.
Foi logo seguido por seu colaborador e namorado ocasional, o poeta W.H.
Auden, que também deixou poemas e um diário sobre suas aventuras na
cidade. Isherwood publicaria ainda vários contos no volume The Berlin Stories.
A Berlim da República de Weimar atraía escritores e artistas, alguns
fugindo de guerras em seus países. É o caso da grande comunidade de
autores russos que viviam na cidade na mesma época – como a poeta Marina
Tsvetáieva ou o prosador Victor Chklósvki, que escreveu em Berlim seu “Zoo, ou cartas não sobre o amor” (1922).
O incentivo ao intercâmbio
Após o período de fechamento de Berlim ao intercâmbio internacional por
causa do Muro, nas duas últimas décadas escritores voltaram a buscar na
cidade a tranquilidade para trabalhar em seus longos projetos de
romances e poemas.
Wladimir Kaminer: origem russa |
Um grande incentivo é o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico
(DAAD), que leva a Berlim escritores, ensaístas e diretores de cinema
para produzirem um trabalho na cidade. O programa já contou com a
participação de nomes importantes, como a canadense Margaret Atwood, os
americanos Susan Sontag e Jeffrey Eugenides, e o bielorrusso Ryszard
Kapuściński.
A cidade continua atraindo imigrantes, alguns também em busca de uma
vida mais livre, outros em fuga de turbulências políticas em seus países
de origem, como no século passado. Muitos chegam ainda crianças, adotam
a língua alemã e são escritores hoje conhecidos como alemães, como é o
caso do russo Wladimir Kaminer e a azerbaijana Olga Grjasnowa. Festivais
como o Literaturfestival e o Poesiefestival, e instituições como o
Literarische Colloquium garantem ainda um influxo temporário de autores
estrangeiros em Berlim.
Berlinenses estrangeiros
Jeffrey Eugenides, um dos nomes importantes a ter feito intercâmbio |
“Faz seis anos que cheguei e vejo as mudanças pela minha perspectiva
de estrangeiro. Talvez haja mais americanos. Há pessoas que estão aqui
há tempos, ficando mais velhas, e tentando criar raízes, então começam a
surgir editoras e coletivas nas suas próprias línguas", conta. "Há uma
sofisticação crescente entre os autores berlinenses de língua
estrangeira. Talvez haja uma integração maior. As artes visuais já têm
isso há muito tempo."
A presença de americanos é forte. Além de Shane Anderson, romancistas
como Claire Messud e o poeta Christian Hawkey são autores bastante
conhecidos nos EUA e produzem seus textos em Berlim. Hawkey, que é
casado com a alemã Uljana Wolf, dedica-se ainda a traduzir autores
alemães para o inglês. O casal divide seu tempo entre Berlim e Nova
York.
“Há um certo zeitgeist, uma língua comum. Isso é importante
porque pode gerar comunidade e também competição. No momento, tudo
parece estar ficando mais profissional”, diz Shane Anderson sobre seu
momento atual.
Já o britânico Johannes CS Frank, que dirige a editora que leva seu
nome, começa a apostar em autores latino-americanos. Neste ano, deve ser
lançado em Berlim o primeiro livro do mexicano Julian Hérbert em
alemão. Enquanto a língua inglesa permite maior mobilidade para os
anglófonos, a situação é diferente para latinos e outros.
Bernardo Carvalho, um dos autores brasileiros mais conhecidos a passar por Berlim |
Entre os escritores brasileiros mais conhecidos que passaram por
Berlim, Bernardo Carvalho chegou à cidade com o programa da DAAD. Outros
brasileiros vivendo na cidade incluem o poeta Rafael Mantovani e o
ensaísta Pablo Gonçalo. O festival Latinale, dirigido por Rike Bolte e
Timo Berger, mantém um fluxo de poetas da região todo ano na cidade.
O muro do idioma
Enquanto as artes visuais permitem uma maior movimentação por
prescindirem da língua, escritores enfrentam problemas maiores de
inserção. Autores de língua inglesa beneficiam-se e têm maior atenção,
mas mesmo eles dependem da tradução.
O diálogo entre autores alemães e estrangeiros ocorre dentro de uma cena
bastante menor que a musical ou das artes visuais. A norueguesa Hanne
Lippard disse à DW que não sabe se esta separação tem apenas efeitos
negativos.
“A língua é um divisor óbvio. Mas eu experimentei divisões piores quando
vivia em Amsterdã. Eu acho que é pela cena em Berlim ser tão
internacional, enquanto o resto da Alemanha permanece bastante alemã,
então às vezes há duas grandes cenas opostas uma à outra. Ambas as cenas
lucram com a presença da outra, então não vejo por que se ressentir com
essas oposições”, afirmou.
[Fuente: www.dw.de]
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