segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Paul Auster, a invisibilidade e a desordem interior

De acordo com o escritor Paul Auster, “[…] somente na cidade moderna pode o observador permanecer invisível, assumir sua posição no espaço e, não obstante, permanecer transparente.”

Paul Auster, autor do livro “Invisível”

Paul Auster é um autor que dispensa maiores apresentações, uma vez que tem vários livros publicados e um “séquito” de leitores que o veneram, e com toda a razão. Mas, de qualquer maneira, voilà: Auster é norte-americano de Newark, Nova Jérsei, autor de mais de 20 títulos, incluindo obras de não ficção, além de ser tradutor. Sem dúvida, seu romance mais famoso é Trilogia de Nova York, livro publicado em 1987. Depois da Trilogia vieram muitos outros. Diversas histórias de Auster merecem resenhas e comentários, mas o presente texto deter-se-á em seu penúltimo livro, Invisível, publicado em 2010.
Esta obra narra em quatro capítulos a trajetória do atormentado aspirante a escritor Adam Walker. Grande parte da história é ambientada em Nova York, além de ter algumas passagens por Paris. O romance apresenta mais de um narrador, contudo essa variação narrativa não interfere no entendimento dos fatos; muito pelo contrário, esse recurso dá mais ritmo à ficção e uma melhor compreensão a respeito da personalidade do protagonista. No capítulo I, há o “itinerário” detalhado do jovem Adam, estudante de Literatura da Universidade de Columbia, no ano de 1967. 
A aparente vida pacata do narrador começa a ganhar novos contornos quando conhece numa festa um excêntrico casal: Rudolf Born e Margot. Todo o primeiro capítulo centra-se na relação desse trio. O leitor acompanhará as angústias e incertezas de Adam e as estranhas atitudes do professor Rudolf Born. Só para elencar algumas, eis: sarcasmo extremado, acessos de fúria gratuitos e insinuações para que Adam tenha um caso amoroso com sua companheira Margot:
“Devo então supor que, se Margot se jogasse em cima de você e pedisse para transar com ela, não estaria interessado? É o que está me dizendo? Pobre Margot. Você não tem ideia de como feriu seus sentimentos.” (Página 39)
À medida que a convivência de Walker e Born se estreita, mais o estudante conclui que Rudolf é sinistro, inconstante e, até mesmo, perigoso. É o que o protagonista e o leitor constatam quando, numa passagem, há indícios de que o professor Born tenha matado, sem motivo, um jovem ladrão:
“Naquela tarde, a última edição do New York Post informava que o corpo de Cedric Williams, de dezoito anos, fora encontrado no Riverside Park, com mais de doze ferimentos a faca na barriga e no peito. Em minha mente, não havia dúvida de que Born era o responsável. No momento em que eu o deixara para telefonar chamando uma ambulância, ele pegara Williams, que se esvaía em sangue, e o levara ao parque a fim de terminar o trabalho que tinha começado na calçada.” (Página 64)
A amizade só sobrevivera, até então, por um único motivo: o projeto dos dois de lançarem uma revista literária. A partir da morte do ladrão, Walker fica horrorizado com a personalidade macabra de Rudolf e o denuncia para a polícia. A atitude, porém, é um tanto inconsequente e tardia, uma vez que Adam não tem provas do possível homicídio e também pelo fato de o professor ter retornado a Paris.
Em seguida há um “corte narrativo”. Born e Margot retornam à história somente no terceiro capítulo. No capítulo dois, o leitor mergulhará profundamente na vida de Adam Walker. Nele, teremos informações do passado mais remoto do protagonista que, no corrente ano de 2007, é um homem sexagenário. Instigantes passagens serão narradas através de correspondências que o velho Walker envia para o amigo Jim, um colega do tempo da universidade. O protagonista escreve uma espécie de autobiografia, dividida em duas partes: Verão e Outono. Nessas memórias, para uma provável publicação póstuma, Walker fala de suas angústias, de suas culpas e de seus sonhos que não se realizaram. Este homem, agora velho e acometido pela leucemia, confessa até o inconfessável: sua relação incestuosa com a irmã Gwyn. Lê-se:
“Era a primeira oportunidade que você tinha de dizer a Gwyn como a amava, de dizer como a achava linda, de empurrar sua língua para dentro da boca de Gwyn e beijá-la como sonhava fazer havia meses. Você estrava tremendo quando tirou as roupas, tremia da cabeça aos pés quando se esgueirou para a cama e sentiu os braços dela se fecharem apertados em volta de você.” ( Página 108)
Walker comenta sobre o efeito devastador que a morte do irmão mais novo provocou na família, levando a mãe à depressão e o pai ao alheamento. Lembra do quanto a invisibilidade do irmão morto era combatida, mesmo anos após a sua morte:
“Todo o ano, desde a morte de seu irmão, você e sua irmã comemoram a morte dele. Só vocês dois, sem pais nem parentes nem nenhum convidado… […] É tempo demasiado. O espaço continua aumentando. O tempo continua aumentando, e a cada minuto ele se afasta mais, vai para longe de nós.” (Páginas 124, 129)
Após uma avalanche de revelações, as personagens Born e Margot retornam à narrativa, também através de uma óptica memorialística de Walker. Adam fala sobre um reencontro do trio em Paris, das tramas e das surpreendentes reviravoltas na vida dos três.

Cabe informar que Invisível recebeu boas críticas, mas não escapou da língua ferina de alguns. Uma possível recepção negativa do livro deve-se, provavelmente, à temática do incesto, detalhadamente narrada no romance. Sobre o tema tabu, Auster comentou: “Eu quis descrever o amor entre eles da forma mais honesta e bonita possível e fui até o fim”. (Jornal O Globo) Uma das análises mais pesadas foi do crítico James Wood, da revista literária The New York. Ele diz: “Paul Auster é provavelmente o romancista pós-moderno mais conhecido dos Estados Unidos. Ele compartilha do gosto moderno e pós-moderno pelo uso de clichês e pelo empréstimo de linguagens, mas não faz nada com o clichê, exceto usá-lo.”


Na obra há elementos recorrentes de outros livros do autor, como os jogos narrativos, o ambiente, a questão da metalinguagem, do homem atormentado, do crime… mas a história está longe de ser clichê pelo clichê ou ruim. Auster aprofundou-se no interior das personagens. Invisível é basicamente uma história de culpa, de invisibilidade no caos, de expectativas e da não realização das mesmas. Altamente recomendável.

Referências:
AUSTER, Paul. A arte da fome. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.
AUSTER, Paul. Invisível. São Paulo: Cia das Letras, 2010.
WOOD, James. Shallow Graves/The novels of Paul Auster. Disponível aqui!
FREITAS, Guilherme, Novo romance de Paul Auster explora tabu do incesto e mostra personagens com identidade instável. Portal O Globo. Disponível aqui!


[Fonte: www.homoliteratus.com]

Sem comentários:

Enviar um comentário