quinta-feira, 12 de junho de 2014

O tradutor de nomes


Por Wilhan Santin

"O senhor Mumeji Okuda não gostou da ideia, mas vai te esperar aqui amanhã." Foram essas as palavras que a solícita assessora de imprensa da Expo Japão, Emília Miyazaki, usou em um e-mail que me mandou para marcar a entrevista com um dos participantes do evento da colônia nipônica, realizado recentemente em Londrina. 


Embora, à primeira vista, o e-mail possa parecer desencorajador quanto ao sucesso da matéria, sorri quando o li. Não chega a ser uma regra, mas, geralmente, pessoas tímidas e avessas a holofotes costumam ter grandes histórias para contar. 


Mumeji Okuda é um senhor nascido no Japão em 1930. Completará 84 anos no próximo dia 30 de setembro. Aparenta menos, não só por causa dos cabelos em parte tingidos de preto e da postura elegante mas também pela lucidez. 

Seguramente, ocupou o menor e mais modesto espaço da concorrida feira, porém, nem por isso, o menos visitado. O "estande" de Okuda se resumia a uma pequena mesa forrada de jornais e uma cadeira. Em cima da mesa, uma plaquinha: "Escreve-se o nome em japonês. R$ 2,50." 

Ali, durante os quatro dias do evento, ele transformou em arte em forma de kanji centenas de nomes, ocidentais ou orientais. Também foi ali que conversamos, entre um "cliente" e outro.

Okuda chegou menino ao Brasil, em 1936, com os pais. A família se estabeleceu em um sítio no município de Assaí, a 12 km do núcleo urbano. Começaram a cultivar café. Algum tempo depois, o pequeno Mumeji passou a receber as primeiras lições na escola japonesa montada na zona rural para os filhos dos imigrantes. 

Mas estourou a Segunda Guerra Mundial, em 1939. Em 1942, o Brasil, antes neutro, entrou no conflito, lutando ao lado dos aliados contra os países do eixo (Alemanha, Itália e Japão). A escolinha onde ele recebia valiosas lições foi sumariamente fechada por ordem do governo de Getúlio Vargas.

Não havia professor brasileiro que se dispusesse a ir tão longe para ensinar em português. Tampouco era possível ir todos os dias à cidade para estudar.


"Em vez de reclamar da falta de possibilidades de meus pais, fui estudar por conta própria", recorda. Passou a ler tudo o que fosse escrito em japonês, a pesquisar em dicionários. Nunca foi alfabetizado em português. 


Chega um jovem casal. Renata e Paulo. Ele escreve o nome dos dois e dá explicações da correspondência de cada ideograma com as sílabas que formam as palavras em português. Saem felizes. 

Lendo muito, Okuda aprendeu a língua japonesa com perfeição. No entanto, a escrita feita com kanjis exige também uma boa dose de arte. Só depois de adulto, ele conseguiria contratar professores para lhe ajudarem com a caligrafia. Hoje, é ele que dá aulas. Tem 30 alunos. "A composição das letras tem que ser balanceada", explica enquanto me mostra exemplos no papel. Escreve com exímio capricho, porém rapidamente. 

Chega um garoto, Danilo, 9 anos, acompanhado da mãe. Ela diz que o menino estava ansioso para ver o próprio nome escrito em japonês. Okuda diz que isso é bom. "Criança tem que ser curioso, né?". Segundos depois, Danilo está olhando admirado para seu nome grafado de forma que nunca vira. 

Depois de casado, Okuda se tornou dono de seu próprio sítio de café e pai de três filhos. Só deixou a atividade rural há dois anos, quando vendeu a propriedade em Rolândia. Mas não pretende deixar a atividade intelectual. Só neste ano, já leu 30 livros. Sua média varia de 60 a 100 obras lidas a cada ano. Quase todos em japonês. "Como não sei ler bem em português, sinto sono quando tento", explica. Mesmo assim gostou muito dos livros que já leu de Erico Verissimo. 

Também se dedica a estudar fotografia e a fotografar, naturalmente. Pega meu bloco e me dá uma valiosa lição sobre enquadramento, desenhando no papel onde são os "pontos de ouro" de uma foto. Pretendo utilizar o que aprendi nos próximos retratos. 

Por um instante, abandona a sua mesinha e sai a me mostrar a parte artística e cultural da Expo Japão, preparada por ele. Tudo muito bonito. Destaca frases de autores japoneses que escreveu em grandes faixas, com tradução para o português. Em uma delas se lê: "Se te dedicares com afinco, não terás tempo para congelar, tal como a roda d’água." 

Questiono sobre a relutância inicial em conceder entrevista. Okuda explica que não gosta de se exibir. Na verdade, trabalha na feira para atender a um pedido dos amigos da Associação Cultural e Esportiva de Londrina (Acel). Em anos anteriores, nem cobrava para escrever os nomes em japonês. Não fosse a falta de educação de alguns, que ficavam pedindo que ele fizesse o trabalho só por brincadeira, ainda hoje seria assim. 

Nesta altura já há uma pequena fila esperando que ele mergulhe a pena em uma tinta especialmente trazida do Japão para a atividade de fazer beleza com os kanjis. 

Dou por encerrada a entrevista. Okuda pede que eu o procure para conversarmos mais, especialmente sobre fotografia. E encerra com uma frase que me deixa feliz. "Ficamos amigos."

Eu não estava errado quando interpretei com alegria o e-mail da colega Emilia.


[Fonte: www.bonde.com.br]

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