Mostras reúnem obras do
cartunista Quino, criador da Mafalda, da fotógrafa Adriana Lestido e da poeta
Alejandra Pizarnik
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O cartunista Quino na abertura da exposição em Buenos Aires, em 2014 - [foto: AP/Natacha Pisarenko] |
Por LEONARDO
CAZES
A mãe de lenço na cabeça, com
a filha no colo, fotografada por Adriana Lestido quando gritava pelo marido
desaparecido durante o regime militar, em 1982. Alejandra Pizarnik, a poeta que
decidiu se despedir da vida aos 36 anos. Mafalda, a menina de rosto redondo e
cabelos pretos que, há 50 anos, é capaz de desnudar as contradições do mundo
sem sair da sala de casa. Essas mulheres argentinas desembarcam no Rio em três
exposições diferentes neste mês, como parte da programação cultural montada
pelo país homenageado na 17ª Bienal Internacional do Livro do Rio, além da
mostra “Manuscritos literários argentinos” no pavilhão 4 (Verde) do Riocentro.
Adriana Lestido explica que o retrato de uma das Mães da
Praça de Maio, feito ainda durante a ditadura, é o único na mostra da época em
que trabalhava como fotojornalista. Ela o considera a imagem fundadora das
séries sobre mulheres que desenvolveria nos anos seguintes, primeiro
conciliando com o jornalismo em veículos como “La Voz” e “Pagina 12”, e às
quais se dedica exclusivamente desde 1995. A retrospectiva “O que se vê”,
aberta ontem no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) e que fica em cartaz até o
dia 11 de outubro, abrange 85 fotografias feitas entre 1979 e 2007, incluindo
as séries “Mães adolescentes”, “Mulheres presas” e “Mães e filhas”, além da sua
primeira, “Hospital Infantojuvenil”.
"Fotografo o que preciso
compreender, fotografo por necessidade. Com o tempo, percebi que a constância
do meu trabalho, na verdade, é a ausência do homem" — conta Adriana, em entrevista
ao GLOBO durante a montagem da exposição. — "A cena da mãe com a filha gritando
pelo homem ausente. De alguma forma isso marca todo o meu trabalho, assim como
a separação. Todas as séries têm a ver com histórias de amor e de desamor, a
dificuldade dos vínculos afetivos e o que está por trás disso tudo".
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Mãe e filha da Praça de Maio, em 1982 - Adriana Lestido |
O trabalho da fotógrafa exige
envolvimento com as personagens. Na série “Mulheres presas”, ela foi uma vez
por semana, durante um ano, à casa de detenção de La Plata, na grande Buenos
Aires. A cada visita, deixava com as retratadas uma cópia da foto feita
anteriormente. Em “Mães e filhas”, antes de começar a fotografar, Adriana
gravou várias conversas suas com as mães e filhas e em seguida tirava uma
polaroid e as presenteava. "Para o seu trabalho, a empatia é fundamental",
afirma. Tanto que abriu mão de uma dupla em “Mães e filhas”, por achar que não
havia a química necessária para o trabalho.
"Não me interessa que os outros sintam que estou invadindo o
seu espaço com a câmera. “Mães e filhas” foi o mais difícil de todos, pois
tinha que entrar na intimidade das duas. Em “Mulheres no cárcere”, tive muitas
dificuldades para acessar a prisão, mas lá dentro eu era como uma presa que
poderia ir embora" — diz. — "Eu me fundo com o que vejo. A partir de um estado de
muita presença, paradoxalmente, consigo ficar invisível".
Já a exposição “Na obscuridade aberta” homenageia a poeta
Alejandra Pizarnik a partir dos textos curtos de “A condessa sangrenta”, um
misto de poesia e ensaio sobre a condessa Báthory, suposta assassina de 650
moças. O artista plástico Santiago Caruso produziu 35 ilustrações inspiradas no
livro que transitam entre o erótico e o sinistro, publicadas na edição
brasileira lançada pela Editora Tordesilhas em 2011. A mostra ocupa a Sala
Antonio Berni, no Consulado Geral da Argentina (Praia de Botafogo 228,
sobreloja) até o dia 9 de outubro.
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A poeta argentina Alejandra Pizarnik Archivo General de la Nación |
Alejandra viveu entre 1960 e
1964 em Paris, onde se aproximou de Julio Cortázar e Octavio Paz, colaborou com
a revista “Cadernos”, publicou poemas e críticas em vários jornais e traduziu
Antonin Artaud, Henri Michaux e Aimé Cesairé. Em “A condessa sangrenta”, de
1971, já de volta à Argentina, ela recriou a história de Báthory a partir da
biografia escrita em 1962 pela poeta francesa Valentine Penrose. Um ano depois,
Alejandra se matou ao tomar uma alta dose de medicamentos num fim de semana em
que foi liberada pela clinica psiquiátrica onde estava internada. A trajetória
da argentina suscita comparações com a da poeta brasileira Ana Cristina César,
conta o curador Lucas Gioja, adido cultural da Embaixada da Argentina no
Brasil.
A obra de Pizarnik se tornou
mítica na Argentina, além de ela ter uma personalidade muito complexa, como Ana
Cristina Cesar (que também se
suicidou, em 1983).
A
tirinha da Mafalda, assinada pelo cartunista Quino, só circulou na imprensa
argentina entre 1964 e 1973. Mesmo assim, publicada em livros e transformada em
ícone pop, a personagem cruzou as fronteiras do país. Criada originalmente para
uma campanha publicitária, mas descartada, a menina se notabilizou pela
perspicácia em analisar os problemas do mundo a partir da própria casa, com
ênfase no humanismo e na defesa dos direitos humanos. A exposição “Mafalda na
sopa”, que será aberta hoje e fica em cartaz até 24 de outubro na Biblioteca
Parque Estadual (BPE), no Centro do Rio, procura reconstruir essa trajetória
dos esboços aos grafites que hoje ocupam ruas de várias cidades do mundo.
A mostra foi montada,
originalmente, na Biblioteca Nacional da Argentina no ano passado, quando
Mafalda completou 50 anos, e vem completa para o Rio. Na BPE, os visitantes
poderão ver desde os primeiros esboços feitos por Quino para a protagonista,
sua família, seus amigos Filipe, Manolito, Miguel, Liberdade e a sua tartaruga
Burocracia, até as traduções e as apropriações feitas em várias plataformas. O
mês de setembro marca, inclusive, o aniversário de Mafalda, que completa 51
anos. A curadora Judith Gociol acredita que o sucesso da menina está ligado à
identificação do público.
Hoje a Mafalda está em todos os lugares, não só nos livros,
mas nas mochilas, nas paredes. Tornou-se um ícone popular. Isso só foi possível
porque as pessoas se reconhecem nela, nas suas ideias, no que as tirinhas falam
— afirma Judith, destacando seu humor particular que provoca reflexão.
Especialmente para a edição brasileira da exposição, o
cartunista Mauricio de Sousa liberou a exibição de um desenho seu em que Mônica
dá um presente para Mafalda. Outro ponto alto é a coleção de cartas e mensagens
recebidas por Quino. Além das tradicionais declarações de amor, há até o pedido
de um casal catalão para utilizar a imagem da personagem em seu convite de
casamento. Sinal de que humor fino e inteligência são universais.
[Fonte: www.oglobo.globo.com.br]
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