- 'A Origem do Mundo', lançado agora no Brasil, traz desilusão com o comunismo e homem consumido pelo ciúme
- Mal visto pela direita e pela esquerda, o escritor e diplomata chileno não pensa em voltar ao seu país
Escrito por LUCAS NEVES
Não erra quem vê no escritor e diplomata chileno Jorge Edwards, 82, um Forrest Gump das letras e da política latino-americanas.
À maneira do personagem de Tom Hanks no filme homônimo --que conheceu
presidentes e artistas--, Edwards frequentou o "grand monde" da cultura e
do poder latinos a partir dos anos 1960. Tomou rum com Fidel Castro,
deliberou com Pablo Neruda (1904-1973) na embaixada chilena em Paris e
almoçou na companhia do presidente Salvador Allende (1908-1973) às
vésperas de sua posse.
Desses encontros resultou a perda de crença na esquerda comunista que
ronda "A Origem do Mundo" (Cosac Naify), romance de 1996 que ganha
edição brasileira --apenas a terceira de uma obra com mais de 20
títulos, entre contos, romances, ensaios, perfis biográficos e memórias,
que lhe valeram em 1999 o Prêmio Cervantes.
Apesar de as ilusões perdidas pautarem a interação dos personagens, a força-motriz da trama é mais prosaica.
Por ciúme, o médico Patricio Illanes, stalinista na casa dos 70, descerá
aos infernos para apurar o suposto adultério da mulher Silvia. O amante
seria o amigo do casal, Felipe Díaz, escritor rompido com o comunismo.
No curso da investigação, os volteios da imaginação do protagonista
reacenderão sua volúpia, como se da ficção dependesse a vida.
"Toda ficção autêntica tem elementos autobiográficos", diz o escritor à Folha, em entrevista na sede da embaixada do Chile em Paris, hoje comandada por ele.
"Sem dúvida há algo de mim tanto no médico quanto nesse intelectual de uma ala mais anarquista, libertária da esquerda", afirma.
MACHADIANO
Os ecos de "Dom Casmurro" são claros, e Edwards reconhece a influência
machadiana. Depois de descobrir o brasileiro por obra do amigo Rubem
Braga (1913-1990), traduziu para o espanhol contos dele. Também ajudou a
verter obras de Murilo Mendes, Drummond, Manuel Bandeira e Vinicius de
Moraes.
No mundo hispânico, o círculo de amizades incluiu, além do conterrâneo
Neruda, o peruano Mario Vargas Llosa (autor do prefácio deste "Origem") e
o colombiano Gabriel García Márquez. Companhias que serviram de respiro
à sisudez da diplomacia.
"Um diplomata é um ator. Deve renunciar à sua personalidade. Escrever
por duas horas sempre que possível me deixou impermeável aos coquetéis,
reuniões intermináveis. Ser escritor me ajudou a viver e ser diplomata, a
sobreviver", compara, sem disfarçar a falta de entusiasmo com a rotina
na chancelaria.
Nem sempre a vida nas embaixadas foi desanimada: "Persona non Grata"
(1973), sua obra mais conhecida, resultou de uma passagem de três meses
pela representação chilena em Havana, no fim de 1970. Ali, dava um
testemunho "in loco" (e em primeira mão) dos desmandos do castrismo,
emitindo um alerta a Allende, alinhado com o governo da ilha.
A reação foi desfavorável de lado a lado. Edwards passaria quase dez
anos longe de casa, entre Paris e Barcelona, rechaçado pela esquerda,
malquisto pela ditadura de direita que a sucederia.
"Para um escritor que passou boa parte da vida fora, voltar seria morrer
um pouco. O Chile é apático. Só há liberdade em teoria; todos têm medo
do ridículo, da família, há prisões mentais, de espírito", diz. "Há um
censor em cada chileno."
Por isso, ele planeja se radicar em Madri em março, quando se aposenta.
Aos 82, tem sede de "nova experiência", como diz o título de um de seus
primeiros contos.
[Fonte: www.folha.com.br]
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