segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Letras e política dividem Jorge Edwards

  • 'A Origem do Mundo', lançado agora no Brasil, traz desilusão com o comunismo e homem consumido pelo ciúme
  • Mal visto pela direita e pela esquerda, o escritor e diplomata chileno não pensa em voltar ao seu país

Escrito por LUCAS NEVES

Não erra quem vê no escritor e diplomata chileno Jorge Edwards, 82, um Forrest Gump das letras e da política latino-americanas.

À maneira do personagem de Tom Hanks no filme homônimo --que conheceu presidentes e artistas--, Edwards frequentou o "grand monde" da cultura e do poder latinos a partir dos anos 1960. Tomou rum com Fidel Castro, deliberou com Pablo Neruda (1904-1973) na embaixada chilena em Paris e almoçou na companhia do presidente Salvador Allende (1908-1973) às vésperas de sua posse.

Desses encontros resultou a perda de crença na esquerda comunista que ronda "A Origem do Mundo" (Cosac Naify), romance de 1996 que ganha edição brasileira --apenas a terceira de uma obra com mais de 20 títulos, entre contos, romances, ensaios, perfis biográficos e memórias, que lhe valeram em 1999 o Prêmio Cervantes.

Apesar de as ilusões perdidas pautarem a interação dos personagens, a força-motriz da trama é mais prosaica.

Por ciúme, o médico Patricio Illanes, stalinista na casa dos 70, descerá aos infernos para apurar o suposto adultério da mulher Silvia. O amante seria o amigo do casal, Felipe Díaz, escritor rompido com o comunismo.

No curso da investigação, os volteios da imaginação do protagonista reacenderão sua volúpia, como se da ficção dependesse a vida.

"Toda ficção autêntica tem elementos autobiográficos", diz o escritor à Folha, em entrevista na sede da embaixada do Chile em Paris, hoje comandada por ele.

"Sem dúvida há algo de mim tanto no médico quanto nesse intelectual de uma ala mais anarquista, libertária da esquerda", afirma.

MACHADIANO

Os ecos de "Dom Casmurro" são claros, e Edwards reconhece a influência machadiana. Depois de descobrir o brasileiro por obra do amigo Rubem Braga (1913-1990), traduziu para o espanhol contos dele. Também ajudou a verter obras de Murilo Mendes, Drummond, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes.

No mundo hispânico, o círculo de amizades incluiu, além do conterrâneo Neruda, o peruano Mario Vargas Llosa (autor do prefácio deste "Origem") e o colombiano Gabriel García Márquez. Companhias que serviram de respiro à sisudez da diplomacia.

"Um diplomata é um ator. Deve renunciar à sua personalidade. Escrever por duas horas sempre que possível me deixou impermeável aos coquetéis, reuniões intermináveis. Ser escritor me ajudou a viver e ser diplomata, a sobreviver", compara, sem disfarçar a falta de entusiasmo com a rotina na chancelaria.

Nem sempre a vida nas embaixadas foi desanimada: "Persona non Grata" (1973), sua obra mais conhecida, resultou de uma passagem de três meses pela representação chilena em Havana, no fim de 1970. Ali, dava um testemunho "in loco" (e em primeira mão) dos desmandos do castrismo, emitindo um alerta a Allende, alinhado com o governo da ilha.

A reação foi desfavorável de lado a lado. Edwards passaria quase dez anos longe de casa, entre Paris e Barcelona, rechaçado pela esquerda, malquisto pela ditadura de direita que a sucederia.

"Para um escritor que passou boa parte da vida fora, voltar seria morrer um pouco. O Chile é apático. Só há liberdade em teoria; todos têm medo do ridículo, da família, há prisões mentais, de espírito", diz. "Há um censor em cada chileno."


Por isso, ele planeja se radicar em Madri em março, quando se aposenta. Aos 82, tem sede de "nova experiência", como diz o título de um de seus primeiros contos. 

[Fonte: www.folha.com.br]

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