Escrito por Sérgio Rodrigues
Depois de uma coluna cética sobre a
promessa de futuro lusofônico corporificada no Acordo Ortográfico de 1990,
semana passada, aqui vai uma com o sinal oposto. Não que eu seja ciclotímico: a
realidade é que é.
Na
última sexta-feira (12), na cidade da Praia, capital de Cabo Verde, foi
apresentada a primeira versão realmente abrangente do VOC (Vocabulário
Ortográfico Comum) da língua portuguesa, com cerca de 310 mil palavras de cinco
países submetidas a critérios lexicográficos unificados: Brasil, Portugal, Moçambique,
Cabo Verde e Timor Leste.
A
falta de perspectiva histórica que, por definição, caracteriza o noticiário
convencional e o burburinho das redes sociais pode explicar a repercussão pífia
de um fato cultural tão relevante.
A
cargo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que tem representantes
dos principais membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o
VOC é uma obra em andamento há alguns anos –e ainda aberta.
O
vocabulário nacional de São Tomé e Príncipe está pronto, mas depende da
aprovação das autoridades locais para se somar à base comum. O de Angola deve
estar disponível ano que vem e o da Guiné-Bissau mal começou a ser elaborado.
A
Guiné Equatorial não conta como desfalque. O país aderiu à CPLP em 2014, depois
de instituir por decreto o português como idioma oficial (ao lado de espanhol e
francês), mas não fala nossa língua. Sua lusofonia é uma aspiração.
Disponível
no endereço voc.cplp.org, o VOC é um instrumento de trabalho e um parque de
diversões para amantes do português. Clicando na bandeira de cada país,
direcionamos a busca ao seu vocabulário nacional. O símbolo do instituto leva à
base comum.
E
como fica o Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) da ABL
(Academia Brasileira de Letras), o primeiro a consolidar um repertório de
palavras em conformidade com o Acordo de 1990?
Revisado,
o Volp está incorporado ao Vocabulário Ortográfico Comum e ganhou com isso.
Submetido aos critérios rigorosos de um corpo técnico que a ABL não tem, foi
purgado de deslizes embaraçosos.
Entre
estes está o vocábulo "elefoa", absurdo feminino de
"elefante" que nenhum lexicógrafo reconhece e que, além do território
dos erros infantis, só existia no Volp.
Outro
exemplo de bobagem –esta mais grave, por ter arrastado nossos principais
dicionários– é a interpretação de certas palavras compostas como locuções, o
que lhes subtrairia os hifens.
Com
uma leitura idiossincrática do texto do Acordo, o Volp criou pesadelos em
frases como "Maria vai com as outras porque é maria vai com as outras".
Aleluia: o Vocabulário Ortográfico Comum devolve os hifens a
"maria-vai-com-as-outras", "bumba-meu-boi",
"deus-nos-acuda" etc.
Um
dos representantes brasileiros no Instituto Internacional da Língua Portuguesa,
o linguista Carlos Alberto Faraco divide em duas partes a relevância do
trabalho: a união das bases brasileira e portuguesa e a constituição de
vocabulários nacionais que não existiam –de Moçambique, Cabo Verde e Timor
Leste.
"Esse
vasto acervo poderá servir de base para a escrita de um novo dicionário geral
da língua, o que será um passo fundamental", comemora. "Aos poucos
vai se consolidando o conceito de língua pluricêntrica para o português."
[Foto: Fabio Braga - fonte: www.folha.com.br]
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