quinta-feira, 18 de maio de 2017

Com 310 mil palavras de cinco países, VOC é um monumento da lusofonia




Escrito por Sérgio Rodrigues  

Depois de uma coluna cética sobre a promessa de futuro lusofônico corporificada no Acordo Ortográfico de 1990, semana passada, aqui vai uma com o sinal oposto. Não que eu seja ciclotímico: a realidade é que é.

Na última sexta-feira (12), na cidade da Praia, capital de Cabo Verde, foi apresentada a primeira versão realmente abrangente do VOC (Vocabulário Ortográfico Comum) da língua portuguesa, com cerca de 310 mil palavras de cinco países submetidas a critérios lexicográficos unificados: Brasil, Portugal, Moçambique, Cabo Verde e Timor Leste. 

A falta de perspectiva histórica que, por definição, caracteriza o noticiário convencional e o burburinho das redes sociais pode explicar a repercussão pífia de um fato cultural tão relevante. 

A cargo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que tem representantes dos principais membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o VOC é uma obra em andamento há alguns anos –e ainda aberta. 

O vocabulário nacional de São Tomé e Príncipe está pronto, mas depende da aprovação das autoridades locais para se somar à base comum. O de Angola deve estar disponível ano que vem e o da Guiné-Bissau mal começou a ser elaborado. 

A Guiné Equatorial não conta como desfalque. O país aderiu à CPLP em 2014, depois de instituir por decreto o português como idioma oficial (ao lado de espanhol e francês), mas não fala nossa língua. Sua lusofonia é uma aspiração.


Disponível no endereço voc.cplp.org, o VOC é um instrumento de trabalho e um parque de diversões para amantes do português. Clicando na bandeira de cada país, direcionamos a busca ao seu vocabulário nacional. O símbolo do instituto leva à base comum. 

E como fica o Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) da ABL (Academia Brasileira de Letras), o primeiro a consolidar um repertório de palavras em conformidade com o Acordo de 1990?


Revisado, o Volp está incorporado ao Vocabulário Ortográfico Comum e ganhou com isso. Submetido aos critérios rigorosos de um corpo técnico que a ABL não tem, foi purgado de deslizes embaraçosos.


Entre estes está o vocábulo "elefoa", absurdo feminino de "elefante" que nenhum lexicógrafo reconhece e que, além do território dos erros infantis, só existia no Volp.


Outro exemplo de bobagem –esta mais grave, por ter arrastado nossos principais dicionários– é a interpretação de certas palavras compostas como locuções, o que lhes subtrairia os hifens. 

Com uma leitura idiossincrática do texto do Acordo, o Volp criou pesadelos em frases como "Maria vai com as outras porque é maria vai com as outras". Aleluia: o Vocabulário Ortográfico Comum devolve os hifens a "maria-vai-com-as-outras", "bumba-meu-boi", "deus-nos-acuda" etc.


Um dos representantes brasileiros no Instituto Internacional da Língua Portuguesa, o linguista Carlos Alberto Faraco divide em duas partes a relevância do trabalho: a união das bases brasileira e portuguesa e a constituição de vocabulários nacionais que não existiam –de Moçambique, Cabo Verde e Timor Leste.


"Esse vasto acervo poderá servir de base para a escrita de um novo dicionário geral da língua, o que será um passo fundamental", comemora. "Aos poucos vai se consolidando o conceito de língua pluricêntrica para o português." 





[Foto: Fabio Braga - fonte: www.folha.com.br]

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