sexta-feira, 4 de setembro de 2015

'A escrita está acima de qualquer realidade', diz escritor argentino Mempo Giardinelli

 
O escritor argentino Mempo Giardinelli, que virá para a Bienal do Livro do Rio.

Escrito por Ubiratan Brasil

O escritor argentino Mempo Giardinelli, de 68 anos, tem uma forte ligação com a literatura brasileira – menino, adorava as histórias de Monteiro Lobato. Adulto, aproximou-se da obra de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Thiago de Mello, que se tornou um grande amigo, Moacyr Scliar, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Luís Fernando Veríssimo.

Um dos principais nomes da delegação de seu país presentes na Bienal do Livro, Giardinelli é conhecido aqui pela novela Luna Caliente, lançada em 1985 pela L&PM e que narra o perverso envolvimento de um homem maduro com uma adolescente, filha de amigos, e que tem um final trágico. Por e-mail, ele respondeu as seguintes questões.

Como é possível avaliar o atual estágio da literatura argentina contemporânea? Há algum gênero que predomine? 
Como já disse na apresentação do meu país na Feira de Frankfurt em 2010, a literatura argentina contemporânea atravessa um período excepcional de criatividade e originalidade. É o resultado natural de mais de 30 anos de liberdade de expressão, e em particular da última década, que foi marcada por valores mais fortes: memória, verdade, justiça, que são fundamentais em nosso trabalho e na arte argentina em geral. É por isso que a literatura em meu país contribui tão vigorosamente para a construção da cidadania.

Aliás, não lhe parece impressionante o poder que a ficção tem de interferir na realidade e até de criar novas realidades?
Compartilho sua ideia do poder impressionante da ficção, e, de fato, tenho exercido esse poder em toda a minha vida. Por isto não existe nenhuma regra exterior que subjugue minhas ficções, não aceito condições e não faço concessões. Mas não estou seguro de que meus livros interferem na realidade. Prefiro pensar que a realidade é uma matéria de trabalho, como o é a imaginação. Por isso não escrevo para interferir ou questionar a realidade. Às vezes, pode parecer que sim, lógico, mas não depende da minha vontade. Escrevo para que meus personagens sejam livres e façam o que desejarem com a realidade que vivem. Se não, como autor, eu seria um intérprete ou questionador do real e isto não me interessa. A literatura é melhor e está acima de qualquer realidade e, se ela se detém para discutir a realidade de uma nação, parece-me que se rebaixa. Para discutir a realidade de um país, existe o ensaio, o jornalismo, a ciência política, a sociologia, a história. A literatura para mim é outra coisa, e superior.

O senhor acredita que as palavras fazem mover as coisas? São perigosas as palavras?
Não tenho essa visão idealizada. As palavras são o meu material de trabalho mais refinado e tratá-las bem, cuidar delas, adorá-las e ser rigoroso, é a minha tarefa. Em todo caso, o que me parece perigoso é o mau uso das palavras. Em meu país, hoje, infelizmente, isto é muito comum.

Seu mais recente livro publicado no Brasil é Luli, Uma Gatinha de Cidade (Terceiro Nome). Como é escrever para um público tão específico como o jovem e, ao mesmo tempo, tão exigente?
Não escrevo para um público determinado. Escrevo para ser lido e penso que os meus leitores são exigentes. A responsabilidade principal de um escritor é escrever bem, com profundidade e com beleza. Para mim, a literatura é uma busca conceitual e estética. E é o que procuro oferecer em meus livros, qualquer que seja a idade dos meus leitores. Para mim, os leitores crianças ou jovens são simplesmente pessoas de pouca idade, mas tão respeitáveis como os adultos ou os mais idosos.

Em sua obra, de alguma maneira, a Argentina está sempre presente. O senhor acredita que a literatura está dando conta da realidade de hoje, tão complexa e acelerada?
O país, a terra, ou a origem de um escritor estão sempre presentes em suas obras. E comigo sucede o mesmo que com qualquer outro, seja Borges, Pessoa, Cortázar, Amado ou Pizarnik. Portanto, não me interessa falar da realidade de hoje, de ontem, ou de amanhã. Escrevo ficções, ou seja, não me considero, e nem me interessa, ser cronista de nenhuma realidade, mesmo que muitas vezes dados da realidade que me cerca se incorporam às minhas ficções. Isto não é bom nem mau, nem depende da minha vontade; é o que sucede simplesmente, se a história que estou narrando necessita deles.


[Fonte: www.estadao.com.br]


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