Com um ousado filme experimental, um dos mais respeitados e queridos diretores do cinema nacional volta a oferecer uma janela de liberdade ao espectador

Um dos diretores mais respeitados e dos mais estimados pelas equipes com as quais trabalha no cinema brasileiro, Ruy Guerra está de volta às telas em grande estilo, depois do seu filme Quase memória,* de 2015. E vem destacado, com a participação, representando o Brasil, no 5o Festival de Cinema dos BRICS, em Moscou, que se encerra esta semana. Por causa da pandemia, o festival foi realizado on line, no âmbito do 48o Festival Internacional de Cinema da capital russa.
Aos pedaços foi um dos dez trabalhos indicados para a competição e produzidos no Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O outro representante brasileiro é Silêncio da chuva, de Daniel Filho.
O filme recebeu também, no recente Festival de Cinema de Gramado, o Kikito de Melhor Direção, Fotografia (de Pablo Baião) e Som (Bernardo Uzeda). Luciana Mazzotti assina o roteiro junto com o diretor e a assistência de direção é de uma das duas filhas de Ruy, a atriz Dandara Guerra.

A narrativa do filme (final de 2018) é experimental e se sustenta nos fundamentos da escola do cinema pelo cinema, o cinema ''da opacidade''. O ''cinema que é imagem'', anti-ilusionista, dos soviéticos e de Eisenstein, como acentua Ruy. O avesso do cinema ''da transparência'', da realidade ''idealizada'' de André Bazin. '' É como sair da caixinha'', brinca Ruy.
Aos pedaços foi feito em preto e branco, é iluminado com grandes contrastes de luz e sombra que acentuam a angústia do protagonista. Desafia a fronteira entre a realidade e a imaginação e retrata um momento na vida do personagem Eurico, dividido entre alucinações e a sua vida palpável, cotidiana.
O elenco é composto por um quarteto. O ator Emílio de Melo é Eurico, Júlio Adrião faz o seu interlocutor e confidente. Simone Spoladore e Chris Ubach interpretam as duas Anas, entre as quais Eurico se questiona e se debate.
Os interiores de duas casas, nas cidades de Cataguases e Maricá, são os cenários por onde trafegam as duas personagens Anas. As duas têm arquitetura e decoração modernistas. Uma das Anas, o protagonista suspeita, deseja matá-lo. E ambas as mulheres são idênticas e vivem em residências análogas, ainda que em continentes diferentes; um desértico, e o outro paradisíaco.
"Fazer um filme sem as amarras da necessidade comercial permitiu que Ruy trabalhasse com experimentalismos", diz a sua produtora, Janaína Diniz Guerra, filha do diretor. "Ele também se permitiu errar, lembrando que a possibilidade do erro é o que provoca a inovação. O filme tem alguns personagens fora de quadro, como por exemplo o narrador, na voz de Arnaldo Antunes, a fotografia e as próprias casas - uma no deserto, a outra na praia".
"Todo o cinema americano adotado no mundo se baseia em uma estrutura de narrativa viciada", acredita o diretor, que nasceu e foi criado em Maputo (então Lourenço Marques), em Moçambique, filho de pais portugueses, e veio para o Rio de Janeiro via Lisboa e Paris, onde estudou no legendário IDHEC, o Instituto de Altos Estudos Cinematográficos. Chegou ao Brasil em 1958. Mesmo agora, aos 89 anos, dos quais 70 anos foram dedicados ao cinema, desde a era do Cinema Novo do qual foi uma das estrelas, Ruy continua buscando a inovação.

Um dos principais nomes do cinema brasileiro, ele teve participação fundamental no movimento do Cinema Novo, com seu primeiro longa-metragem, Os Cafajestes, de 1963, e Os Fuzis, em 1964. Na ocasião, os dois causaram furor. Na década de 80, Guerra dirigiu o belo musical A ópera do Malandro (85), em parceria com Chico Buarque de Holanda.
Agora, em entrevista para a mídia russa, diz ter sido uma grande experiência para ele ''sair daquela linha tradicional do cinema que faz com que os filmes sejam todos iguais". Diz Guerra: "Com Aos pedaços, temos, sim, um grito de liberdade."
E ressalta que sua proposta inovadora propiciou também o trabalho de atores com mais liberdade. ''Como a narrativa é diferente, eles participam do processo criativo e isso nos traz, a todos, muita liberdade. É dessa liberdade que eu extraio coisas novas."
Essa janela de liberdade se espraia pela plateia porque ''o espectador pode construir a sua própria história", realça o diretor à repórter Ana Esteves, do site Sputnik. Para os críticos de cinema que assistiram a Aos Pedaços, ele mostra a juventude e ousadia do diretor que não perdeu o vigor e segue desafiando convenções.
Agradecendo aos Kikitos recebidos em Gramado, mês passado, Ruy Guerra sublinhou, mais uma vez, que arte é sinônimo de resistência.

''Quero agradecer a coragem de dar uma premiação a um filme como Aos Pedaços que foge às regras, é um filme que nem todo jurado teria coragem de premiar. Agradeço à minha equipe, que me ajudou a descobrir o filme que eu queria fazer. Foi um filme em que precisei de muitos talentos, e tive esses talentos. Mas também não posso deixar de falar da escuridão em que estamos vivendo. Um governo que dizima as populações indígenas e quilombolas. Um governo racista, que promove uma avalanche de destruição. Obrigada ao Festival por abrir essa janela por onde respiramos um pouco de ar puro”.
Aos pedaços foi um dos dez trabalhos indicados para a competição e produzidos no Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O outro representante brasileiro é Silêncio da chuva, de Daniel Filho.
O filme recebeu também, no recente Festival de Cinema de Gramado, o Kikito de Melhor Direção, Fotografia (de Pablo Baião) e Som (Bernardo Uzeda). Luciana Mazzotti assina o roteiro junto com o diretor e a assistência de direção é de uma das duas filhas de Ruy, a atriz Dandara Guerra.

A narrativa do filme (final de 2018) é experimental e se sustenta nos fundamentos da escola do cinema pelo cinema, o cinema ''da opacidade''. O ''cinema que é imagem'', anti-ilusionista, dos soviéticos e de Eisenstein, como acentua Ruy. O avesso do cinema ''da transparência'', da realidade ''idealizada'' de André Bazin. '' É como sair da caixinha'', brinca Ruy.
Aos pedaços foi feito em preto e branco, é iluminado com grandes contrastes de luz e sombra que acentuam a angústia do protagonista. Desafia a fronteira entre a realidade e a imaginação e retrata um momento na vida do personagem Eurico, dividido entre alucinações e a sua vida palpável, cotidiana.
O elenco é composto por um quarteto. O ator Emílio de Melo é Eurico, Júlio Adrião faz o seu interlocutor e confidente. Simone Spoladore e Chris Ubach interpretam as duas Anas, entre as quais Eurico se questiona e se debate.
Os interiores de duas casas, nas cidades de Cataguases e Maricá, são os cenários por onde trafegam as duas personagens Anas. As duas têm arquitetura e decoração modernistas. Uma das Anas, o protagonista suspeita, deseja matá-lo. E ambas as mulheres são idênticas e vivem em residências análogas, ainda que em continentes diferentes; um desértico, e o outro paradisíaco.
"Fazer um filme sem as amarras da necessidade comercial permitiu que Ruy trabalhasse com experimentalismos", diz a sua produtora, Janaína Diniz Guerra, filha do diretor. "Ele também se permitiu errar, lembrando que a possibilidade do erro é o que provoca a inovação. O filme tem alguns personagens fora de quadro, como por exemplo o narrador, na voz de Arnaldo Antunes, a fotografia e as próprias casas - uma no deserto, a outra na praia".
"Todo o cinema americano adotado no mundo se baseia em uma estrutura de narrativa viciada", acredita o diretor, que nasceu e foi criado em Maputo (então Lourenço Marques), em Moçambique, filho de pais portugueses, e veio para o Rio de Janeiro via Lisboa e Paris, onde estudou no legendário IDHEC, o Instituto de Altos Estudos Cinematográficos. Chegou ao Brasil em 1958. Mesmo agora, aos 89 anos, dos quais 70 anos foram dedicados ao cinema, desde a era do Cinema Novo do qual foi uma das estrelas, Ruy continua buscando a inovação.

Um dos principais nomes do cinema brasileiro, ele teve participação fundamental no movimento do Cinema Novo, com seu primeiro longa-metragem, Os Cafajestes, de 1963, e Os Fuzis, em 1964. Na ocasião, os dois causaram furor. Na década de 80, Guerra dirigiu o belo musical A ópera do Malandro (85), em parceria com Chico Buarque de Holanda.
Agora, em entrevista para a mídia russa, diz ter sido uma grande experiência para ele ''sair daquela linha tradicional do cinema que faz com que os filmes sejam todos iguais". Diz Guerra: "Com Aos pedaços, temos, sim, um grito de liberdade."
E ressalta que sua proposta inovadora propiciou também o trabalho de atores com mais liberdade. ''Como a narrativa é diferente, eles participam do processo criativo e isso nos traz, a todos, muita liberdade. É dessa liberdade que eu extraio coisas novas."
Essa janela de liberdade se espraia pela plateia porque ''o espectador pode construir a sua própria história", realça o diretor à repórter Ana Esteves, do site Sputnik. Para os críticos de cinema que assistiram a Aos Pedaços, ele mostra a juventude e ousadia do diretor que não perdeu o vigor e segue desafiando convenções.
Agradecendo aos Kikitos recebidos em Gramado, mês passado, Ruy Guerra sublinhou, mais uma vez, que arte é sinônimo de resistência.

''Quero agradecer a coragem de dar uma premiação a um filme como Aos Pedaços que foge às regras, é um filme que nem todo jurado teria coragem de premiar. Agradeço à minha equipe, que me ajudou a descobrir o filme que eu queria fazer. Foi um filme em que precisei de muitos talentos, e tive esses talentos. Mas também não posso deixar de falar da escuridão em que estamos vivendo. Um governo que dizima as populações indígenas e quilombolas. Um governo racista, que promove uma avalanche de destruição. Obrigada ao Festival por abrir essa janela por onde respiramos um pouco de ar puro”.
*Disponível no Now
[Foto: Assessoria de Imprensa Festival Internacional de Moscou - fonte: www.cartamaior.com.b]
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