quarta-feira, 29 de julho de 2020

"Vamos dar golpe em quem quisermos", diz Elon Musk, dono da Tesla, sobre a Bolívia

No twitter, bilionário respondeu provocação sobre interesse em derrubar Evo Morales para ter acesso a lítio boliviano

O lítio das baterias que alimentam os veículos da Tesla estão no pano de fundo da disputa que motivou o golpe de estado contra Evo Morales, na Bolívia.


Na sexta-feira (24), Elon Musk, diretor da empresa Tesla, dos EUA, escreveu em sua conta no Twitter: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. A ameaça foi uma resposta a uma postagem enviada ao bilionário sobre seu interesse em impedir que o ex-presidente boliviano Evo Morales continuasse no poder.

tweet que provocou Musk dizia: “Você sabe o que não interessa às pessoas? O governo dos EUA organizando um golpe contra Evo Morales na Bolívia para que você possa obter lítio lá”.

Em 12 de março de 2020, o Brasil de Fato publicou a reportagem "Elon Musk, a fábrica da Tesla no Brasil e a conquista do lítio sul-americano", de Vijay Prashad (historiador, jornalista e editor indiano) e de Alejandro Bejarano (músico, cineasta e gerente de redes sociais boliviano). O texto abordava os interesses de Musk em relação ao lítio das baterias que alimentam os veículos da Tesla, tendo como pano de fundo a disputa que motivou o golpe de Estado contra Evo Morales, na Bolívia. 

Confira a reportagem completa:

Elon Musk quer construir uma fábrica de carros elétricos no Brasil. Ele deveria ter-se encontrado com Jair Bolsonaro em Miami no início de março deste ano, mas estava muito ocupado e deve vir ao Brasil em algum momento deste ano. Toda sua atenção está focada no estado de Santa Catarina, cujo secretário de relações internacionais, Derian Campos, está em contato direto com Musk.

Dois fabricantes de automóveis – BMW e General Motors – já têm fábricas em Santa Catarina. O ministro de Ciência, Comunicação, Inovação e Tecnologia, Marcos Pontes, teve uma videoconferência com Anderson Ricardo Pacheco, um executivo de alto escalão da Tesla. Com eles, estavam Daniel Freitas, um deputado, e Claiton Pacheco Galdino, diretor comercial da cidade de Criciúma. Eles esperam que a Tesla construa uma "gigafábrica" – nome que a empresa dá a fábricas grandes – na maior economia latino-americana.

Ajuda muito o fato de o Brasil possuir depósitos consideráveis de lítio – a maioria nos estados de Minas Gerais, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. A produção de lítio é limitada, em grande parte usada na produção de cerâmicos e vidro. O governo Bolsonaro tem interesse em aumentar a produção do minério, inclusive como um material essencial para as baterias de lítio íon que abastecem carros elétricos como os da Tesla. Porém, o lítio brasileiro não será suficiente. A Tesla vai ter que importar de outros lugares.

O triângulo do lítio

Mais de 50% dos depósitos de lítio globais se encontram no “Triângulo do Lítio”, com fontes do material concentradas na Argentina, Bolívia e Chile. Os desertos montanhosos da Bolívia – o Salar de Uyuni – têm de longe as maiores reservas conhecidas.

Num tweet bizarro, o empreendedor boliviano Samuel Doria Medina disse que já que Bolsonaro e Musk estão discutindo a abertura de uma fábrica da Tesla no Brasil, deveriam acrescentar nessa iniciativa o seguinte: “construir uma gigafábrica no Salar de Uyuni para fornecer baterias de lítio”.

Doria Medina não é apenas um empresário. Ele é candidato a vice-presidente ao lado da “presidente interina” Jeanine Áñez para as eleições presidenciais do dia 3 de maio de 2020. Áñez só chegou ao poder depois do golpe de Estado contra Evo Morales em novembro de 2019. Logo, as boas-vindas de Doria Medina para a Tesla devem ser vistas como tendo a autoridade do governo golpista por trás delas.

::As multinacionais, o valioso lítio da Bolívia e a urgência de um golpe::

O governo Morales teve muita cautela com essas reservas de lítio. Tinha deixado claro que esses recursos preciosos não deveriam ser entregues às multinacionais, com acordos favorecendo as empresas. Qualquer lucro vindo do lítio, Morales afirmava, deve ser compartilhado adequadamente com o povo boliviano.

O ponto principal da fala de Morales é que qualquer acordo deve ser feito em conjunto com a Comibol – a mineradora estatal boliviana – e Yacimientos de Litio – produtora de lítio estatal. Os ganhos monetários vindos da mineração deveriam entrar para os cofres públicos, e depois ser utilizados para financiar os programas sociais tão necessários no país. Essa política socialista foi demais para três grandes multinacionais – Eramet (França), FMC (Estados Unidos) e Posco da Coreia do Sul. As três se retiraram e foram para a Argentina.

O golpe do lítio

As políticas socialistas de Morales sobre os recursos naturais Bolivianos foram a morte de seu governo. A oligarquia, que estava brava com o governo Morales e seu socialismo, utilizou qualquer mecanismo possível para subverter as eleições de 2019. Incêndios florestais no norte e leste do país deram à mídia da oligarquia o pretexto para sugerir que Morales havia abandonado seu compromisso com o meio ambiente e a Pachamama (mãe natureza), e que ele estava trabalhando para beneficiar pecuaristas. É importante apontar que isso não é apenas ridículo, mas que assim que o governo Áñez tomou o poder, passou legislação permitindo que esses mesmos pecuaristas, estendessem suas terras para dentro de áreas florestadas.

O oponente de Morales – Carlos Mesa – e outros membros de partidos políticos da oligarquia, abertamente disseram bem antes das eleições que Evo só ganharia através de fraude. O autodenominado Conselho de Defesa da Democracia disse que Evo Morales era um presidente sem legitimidade, pois tinha perdido o referendo constitucional de 2016. A mídia, apoiada por esses interesses corporativos e neofascistas, empurravam a pauta de fraude, enquanto Carlos Mesa, na noite da eleição, disse que houve “fraude monumental”.

Essas provocações por parte de Mesa, os neofascistas, e a elite corporativa resultaram em violência nas ruas; no meio disso, a polícia, que tinha alguns setores irritados com os esforços anticorrupção policial de Evo Morales, fez um motim. Os 36 bolivianos que morreram na violência ocorrida logo após a eleição são vítimas do discurso inflamatório de Carlos Mesa. A Organização de Estados Americanos (OEA), incentivada pelo governo estadunidense, divulgou um “relatório preliminar” de fraude na eleição: as fortes conclusões do relatório não eram substanciadas pelas informações nele contido. O relatório foi uma peça importante em legitimar o golpe contra Morales.

É importante destacar que não houve controvérsia sobre a eleição de Morales em 2014; naquela eleição ele ganhou 61% dos votos derrotando o empresário Samuel Doria Medina, que obteve 24% (Doria Medina é a mesma pessoa que concorre à vice-presidência e entrega o lítio boliviano à Tesla). O mandato de Evo Morales de 2014 ainda não tinha terminado em novembro de 2019; a sua remoção viola o mandato de 2014, algo quase nunca sendo discutido dentro ou fora da Bolívia.

John Curiel e Jack Williams do Laboratória de Informação e Ciência Eleitoral do Massachusetts Institute of Technology (MIT) estudaram os dados das eleições bolivianas e não encontraram indícios de fraude: “Não encontramos nenhuma evidência estatística de fraude,” eles escreveram conclusivamente no Washington Post. Curiel e Williams entraram em contato com a OAS e notam, “Nós e outros acadêmicos tentamos contatar a OAS; eles não responderam”. Baseados em sua análise, eles acreditam que Morales ganhou a eleição de 2019 e deveria ter começado um novo termo esse ano.

Incrível pressão do governo golpista contra o partido de Morales (Movimento para o Socialismo, ou MAS)- e ao mesmo tempo a presença de monitores da Usaid e um dirigente da comissão eleitoral apontado pelos Estados Unidos, Salvador Romero – sugerem que as eleições do dia 3 de maio não serão nem um pouco transparentes; provavelmente favorecendo o governo golpista, incluindo o empreendedor que quer vender o lítio boliviano para a Tesla de Elon Musk, e o Brasil de Jair Bolsonaro.

Um mundo de lítio

Em 2019 um estudo da Bloomberg New Energy Finances sobre o armazenamento de energia, antecipou que até 2030 o preço de baterias de lítio íon deve cair dramaticamente, e consequentemente, energias renováveis (solar e eólica), e armazenamento de energia em baterias crescerá exponencialmente. Existe a expectativa de que até 2040 energias renováveis representariam 40% do consumo de energia global, contra os 7% que atualmente produzem. Para isso ocorrer, a demanda para o armazenamento de energia deveria aumentar. “Acreditamos que a demanda total de baterias para itens estáticos e transporte elétrico em 2040 será de 4584 Gwh (horas gigawatt), escrevem os analistas da Bloomberg, “criando uma enorme oportunidade para fabricantes de baterias e mineradores de materiais base como lítio, cobalto e níquel”. O uso atual é de apenas 17GWh.

A ideia central aqui é enfatizar, que isso vai criar “uma enorme oportunidade” para “mineradores de materiais base como lítio, cobalto e níquel”. Quando os analistas da Bloomberg usam palavras como “mineradores”, eles não se estão referindo aos mineradores bolivianos, ou aos mineradores congoleses, mas sim às multinacionais, como a Tesla, e seu chefe Elon Musk. Se depender da Bloomberg e da Áñez, a América do Sul não deve mais seguir o projeto de recursos nacionalista de Evo Morales; essa é a América do Sul de Elon Musk, um lugar para os neoconquistadores ganharem dinheiro e deixarem para trás a carnificina social.

Edição: Lucas Weber


[Foto: Win McNamee / Getty Images via AFP - fonte: www.brasildefato.com.br]

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