quinta-feira, 22 de novembro de 2018

"Portugal, ao expulsar os judeus, deu mundos ao mundo. Mas ficou a perder": entrevista a Eli Rosenfeld e a Shlomo Pereira

Entrevista aos rabinos Eli Rosenfeld, americano a viver há oito anos em Portugal, e Shlomo Pereira, português que é professor de Economia nos Estados Unidos. São os autores de Vozes Judaicas de Portugal, que hoje às 18.30 é apresentado em Cascais, no Museu Condes de Castro Guimarães.  
Eli Rosenfeld e Shlomo Pereira
Escrito por Leonídio Paulo Ferreira 
Estas seis figuras que estão no vosso livro editado em português e inglês, posso chamá-los seis judeus portugueses? Alguns destes rabinos não nasceram cá mas tiveram uma ligação forte a Portugal, a ponto de o descrever com saudade quando estavam longe. 
Shlomo Pereira: Sim. O que distingue estes judeus é terem todos em comum o facto de ou serem nascidos em Portugal, ou morreram em Portugal, ou viveram em Portugal. Dos seis, o que é interessante ver é que nenhum deles nasceu, viveu e morreu em Portugal, porque eram períodos muito difíceis e eles tinham de andar por tudo o que era sítio. Mas todos eles têm uma ligação forte a Portugal. Três deles eram cidadãos portugueses, José Chaion, Isaac Abravanel e Manassés Ben Israel, mas os outros, Isaac Aboab, Abraão Sabá e Isaac Caro, eram cidadãos espanhóis, meios espanhóis, meios portugueses, que vieram na sequência da expulsão de Espanha. São todas pessoas com uma referência clara a uma vida em Portugal, reconhecida pela coroa portuguesa. 

Estamos a falar dos séculos XV e XVI? 
S.P.: Sim. Grosso modo, estamos a falar dos reinados de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I. 

Tanto antes como depois da expulsão ordenará por D. Manuel I?

S.P: Depois da expulsão, por definição, nenhum deles já cá estava. Uma coisa que é interessante ver é que os livros que eles publicaram, mesmo apesar de uma parte deles ter sido feito em Portugal, já são publicados ou em Itália ou no Império Otomano, por volta de 1520/1530. 

É interessante que diga Itália e Império otomano porque muitas vezes se fala das províncias unidas, da futura Holanda como o primeiro refúgio.

S.P: Exatamente. Primeiro Itália e Império Otomano. O último rabino que mencionamos, que já é fora deste período, do período filipino, esse de facto sai de Portugal e vai para a Holanda já nessa altura, mas as primeiras saídas de Portugal nessa fase são para o Império Otomano e Itália. É claro hoje que na história turca houve coisas fundamentais que os judeus portugueses levaram da Península Ibérica. Por exemplo, a imprensa foi introduzida no Império Otomano por judeus portugueses, como em Portugal também. A pólvora foi levada para o Império otomano pelos judeus portugueses, o que depois levou a alguns desequilíbrios nas relações internacionais. 

Eli Rosenfeld: Às vezes o metal dos livros da casa da imprensa de Portugal, depois o mesmo tipo de metal para a impressão em Portugal, eles usaram na Turquia. 

Está-me a falar que os que foram usados em Portugal para imprimir livros foram depois usados mais tarde no Império Otomano?
E.R.: Sim, os mesmos tipos. 

S.P.: De facto, o ciclo dos seis rabinos, que é o grosso destes, são desse período, ou seja, ou morreram mesmo antes da expulsão de Portugal ou depois, é tudo contemporâneo dessa altura. Uma das razões que abordamos é a pergunta "porque é que escolhemos estes?". O próprio facto de eles serem todos contemporâneos já depois da invenção da imprensa tem muito a ver, quer dizer que os trabalhos foram impressos, haverá muita coisa mais difícil de encontrar. Esta é a primeira geração de rabinos portugueses que escreve sobre estas coisas e que deixou escrito e impresso. 

Percebo que um judeu português se interesse por este tema, como é o caso do rabino Shlomo Pereira. No seu caso, é americano, está em Portugal há oito anos e já tem filhos nascidos cá. Isto que está aqui no livro é uma descoberta recente ou antes de vir para Portugal já tinha noção da importância do judaísmo português?
E.R.: Mudei-me para Portugal há oito anos como rabino para ensinar a tradição judaica aos portugueses. Vim porque sabia que Portugal tem uma ligação tremenda à história judaica, por isso, tendo em conta que vim para ensinar sobre o judaísmo, decidi que ia tentar usar material não só de rabinos da América e de Israel mas também de Portugal. Quando vim só sabia de um rabino que tinha escrito algumas coisas, hoje conheço perto de 40 e os seus livros. E tenho quase todos os seus livros e quando me junto com as pessoas durante a semana para estudar, que é esse o trabalho do rabino, tento sempre dar uma voz a esses rabinos. Isto transformou-se num produto que não é apenas histórico mas que revela a forma como vivemos hoje em dia. Não se trata apenas de dizer "isto aconteceu no passado", mas ao usar a sua voz nas aulas é inspirador. Quando um português ouve que aquilo que está a aprender foi dito por um rabino português, o conhecimento entra de forma mais profunda e há uma maior conexão com o que foi dito. 

O judaísmo que encontra em Portugal hoje tem diferenças do judaísmo que é praticado no mundo inteiro?
E.R.: Os judeus portugueses são muito orgulhosos do seu país e orgulhosos do seu judaísmo. Quando temos o privilégio de poder apresentar o trabalho de um rabino português, não há nada melhor. Portugal é um país relativamente pequeno quando comparado com outros no mundo. O que é diferente em Portugal é a proximidade - eu cresci em Nova Iorque, onde há uma comunidade judaica enorme, com tanta variedade - e em Portugal é agradável, há uma maior proximidade de todos, tanto que sempre que partilhamos qualquer coisa dita por um rabino português é quase como se tivéssemos a partilhar uma coisa que nos disse o nosso próprio avô. É uma família. 

Sei, rabino Shlomo Pereira, que vive há muitos anos nos Estados Unidos. Os primeiros judeus que chegaram a Nova Amesterdão, futura Nova Iorque, também eram judeus portugueses. Essa consciência existe nos judeus americanos?
S.P.: Existe a consciência que eram sefarditas. Existe também a ideia que a comunidade mais antiga nos EUA é portuguesa, que a sinagoga mais antiga de Nova Iorque é portuguesa mas hoje em dia a presença sefardita nos EUA é muito mais fraca, há mais asquenazes. 

Se lhe perguntar, rabino Shlomo Pereira, se é sefardita ou asquenaze, o que é que me responde?
S.P.: É uma resposta muito mais difícil do que parece, porque culturalmente falando eu sou sefardita. Sefarade de Espanha, no sentido de Península Ibérica, mas por outro lado adotei muitos costumes asquenazes ou da Europa Oriental, mas isso diz muito pouco hoje.

Isso tem a ver com a sua experiência americana?
S.P.: Exatamente. Uma coisa de que as pessoas não se apercebem no geral é que a Península Ibérica nos anos 1400 era o centro do judaísmo no mundo... em tudo, e portanto como estamos a falar da produção dos judeus portugueses ou dos espanhóis, estamos a falar quase comparativamente com a presença hoje dos judeus nos EUA, em Israel ou em França, que é uma presença muito forte. O centro do mundo judaico era Portugal e Espanha nessa altura, e houve uma produção muito grande dos judeus portugueses, e o que achamos que é fundamental é recuperar essa produção, porque como a maior parte dela foi feita em hebraico, em Portugal ninguém conhece. Por exemplo, em Portugal toda a gente ouviu falar dos sermões do padre António Vieira, mas ninguém sabe que existem 20 rabinos que têm uma produção enorme do que é equivalente a isso, que são comentários sobre a Bíblia... e as pessoas não conhecem porque está em hebraico. 

Daquilo que conhece da produção de grandes pensadores judeus, quando lê esses judeus portugueses confirma essa ideia de que eles eram do melhor que havia naquela altura do mundo judaico?
E.R.: Há uma frase que descreve Portugal e que foi escrita por rabinos portugueses depois de saírem de Portugal em circunstâncias muito tristes. Quando eles escrevem sobre Portugal e sobre as suas cidades, as formas como descrevem Portugal e Lisboa, é uma coisa incrível de ver, essa de descrever Lisboa como a melhor cidade judaica do mundo. A frase é: "nunca vi em toda a minha vida uma cidade tão bonita, tão estudiosa e tão bondosa como Lisboa". 

Estamos a falar de pessoas que usavam o hebraico na escrita, mas falavam português e dominavam o português?
S.P.: Estavam completamente enquadradas na sociedade. Todas estas pessoas não só estavam enquadradas como muitas delas tinham posições de grande relevo na sociedade portuguesa. Um dos rabinos era médico, outro, o Isaac Abravanel, era um estadista. A história dele é muito interessante porque temos histórias de vários rabinos que foram expulsos de Espanha e vieram para Portugal em 1492 e este foi expulso de Portugal e foi para Espanha em 1481 e aconteceu que foi na altura em que D. João II subiu ao trono, Isaac Abravanel estava muito bem localizado na corte de D. Afonso V e era amigo íntimo dos duques de Bragança. D. João II, quando toma o poder, a primeira coisa que quer fazer é eliminar a casa de Bragança, que tinha o poder económico na altura. Ele aprisionou toda a família e tentou aprisionar Abravanel, que fugiu para Espanha e tornou-se um dos grandes financeiros da corte espanhola. Depois acabou por ser expulso de Espanha outra vez e já não deu para vir para Portugal, porque ainda estava D. João II no poder. Isto eram pessoas muito bem integradas na sociedade. Os judeus não viviam em Portugal num gueto. 


Até à expulsão por D. Manuel I em 1497?
S.P.: Até esse momento não havia guetos. O facto de dizer que se vivia em guetos não quer dizer que não houvesse problemas antes - e houve vários. Mas o ponto é dizer que os judeus portugueses na altura estavam completamente integrados na sociedade. Dou outro exemplo que mencionamos de raspão no livro, que é o rabino Abraão Zacuto, que era o astrónomo-mor do reino, ele era a pessoa que estava encarregado de escrever os mapas de navegação. 

Estamos a falar da comunidade judaica como importante para as descobertas?
S.P.: Exatamente. As descobertas não podiam ter acontecido sem o dinheiro e sem a ciência judaica. Da mesmíssima maneira que o declínio a seguir - hoje em dia muitos historiadores portugueses admitem que o retrocesso da expansão portuguesa vem quando se elimina o capital financeiro e o capital humano e deixa de haver base para... 

Estamos a falar de que percentagem de população judaica em Portugal no momento da expulsão? Há quem diga 20%, contando com os espanhóis recém-chegados.
E.R.: Historicamente é muito difícil apurar esses números. Vários rabinos apresentam números diferentes, é difícil saber qual é o certo, mas é um número enorme. 

A ideia do regresso a Jerusalém era uma coisa importante ou eles já achavam que a vida deles era Portugal, Espanha ou o país onde nasceram? Ou é impossível um judeu não ter sempre essa ideia do regresso a Jerusalém?
E. R.Isaac Abravanel escreveu em Portugal, e depois outros livros foram escritos já depois de ter sido expulso, e nesses sente-se a saudade que ele tinha de Portugal. Sente-se a falta que Portugal lhe faz. Claro que qualquer judeu tem uma ligação única à terra de Israel, mas ele fala sempre da sua infância e do amor que tem pelo país onde nasceu. Depois de os judeus portugueses terem sido expulsos, o que é que lhes vai no coração. 

Não há ressentimento?
S.P.: Há um ressentimento, mas não apaga o amor ao país. Vou dar um exemplo, e por favor não se faça conotação política com coisa nenhuma: eu estava em Portugal em 1974, assisti às dezenas e dezenas de portugueses que voltaram do exílio político e eles estavam desejosos de vir para Portugal. Eles foram perseguidos, foram expulsos. Lembro-me de ver em Santa Apolónia quando eles chegaram... eram pessoas que sofreram imenso com o regime mas nunca puseram, pelo menos a maior parte delas, o regime e o país no mesmo saco. Os judeus portugueses obviamente que não gostavam de ser expulsos, mas o sentimento dominante era o de voltarem ao seu país. 

De qualquer forma, pegando nessa comparação, há uma decisão de expulsão por parte da Coroa, mas também há um sentimento antissemita em Portugal naquela época.
S.P.: Acho que a resposta é sim e não, como em tudo. Eu gostava de redirecionar a resposta e a conversa. O nosso ponto de partida para este livro é muito simples: todos os portugueses sabem que houve uma série de injustiças e perseguições feitas aos judeus. Está reconhecido, ponto final. O que nós queremos é dar o outro lado da moeda, que é dizer que todas as pessoas que foram perseguidas tiveram um contributo importantíssimo para o país, um amor para o país, é isso que queremos salientar. 

Independentemente da hostilidade, eles mantiveram esse amor por Portugal.
S.P.: Exatamente. Muita gente me tem perguntado para quem é que este livro é. É para duas audiências: é para os judeus de fala portuguesa, obviamente, e é para todos os portugueses porque faz parte da nossa História. É uma História comum, em que da mesma maneira que se fala das coisas más se deve falar das coisas boas. Estou farto de ouvir dizer que expulsaram os judeus. Sim, já sabemos isso. Mas olhem para estes contribuições, para a civilização e para a cultura portuguesa, olhem para o Zacuto, o rabino mor, para o financeiro mor, para o Pedro Nunes, vamos olhar para a dedicação e o amor que eles tiveram. 

Uma das coisas que passa muito da história é que depois de serem expulsos muitos dos judeus expulsos puseram-se ao serviço de outras nações. Portugal fez uma estupidez e beneficiou os rivais.
S.P.: Portugal deu novos mundos aos mundos com as suas descobertas. E Portugal também, ao expulsar os judeus, deu mundos ao mundo. Mas ficou a perder. Todo o processo da expansão marítima espanhola só é possível porque tem uma série de judeus que foram expulsos que financiaram, maciçamente por Isaac Abravanel. Claramente que o facto de os judeus portugueses terem sido expulsos acabou por fertilizar uma série de outros sítios, como a Holanda também. 

E.R.Há pouco perguntou sobre ser sefardita ou asquenaze. Os avós da minha mulher nasceram na Rússia, portanto seriam classificados imediatamente como uma família asquenaze. Aqui em Portugal descobrimos árvores genealógicas que nos levaram a um antepassado que tinha como sobrenome Portugale. Agora percebo que andando 40 gerações para trás, nós somos claramente descendentes de portugueses. 

S.P.: Para ver a importância disso, o movimento a que estamos ligados é de origem asquenaze, mas o fundador do movimento Chabad vivia numa rua na Polónia que se chamava Rua de Portugal, que era onde os judeus portugueses viviam. A presença dos judeus portugueses em todo o mundo é impressionante. 

Não me explicou ainda é porque é que Portugal e Espanha eram o centro do judaísmo mundial nos século XV.
S.P.: Essa é uma questão muito interessante: se formos olhar para a história do judaísmo, este sempre teve pontos centrais... durante os primeiros cinco séculos da era comum, o centro da vida judaica era em Israel, depois passou para o Iraque, para a Babilónia, depois à volta do ano 1000 para o norte de África, Egito e Marrocos. Entretanto, na Península Ibérica, durante o período da ocupação muçulmana, que é muito avançada do ponto de vista político e civilizacional, os judeus tiveram uma posição fortíssima nessa altura. Como todo o período da reconquista da Península Ibérica, os judeus tiveram o papel central porque eram os únicos que falavam espanhol, português e árabe ao mesmo tempo. Quando a entrada dos muçulmanos passa pelo norte de África, no início dos anos 700 começa a haver um fluxo muito grande de judeus para a Península Ibérica. Obviamente que acabavam por levar na cara de ambos lados, porque quando você faz um tratado de rendição entre duas partes não fica num papel muito bom. Havia uma presença até aos anos 1100, 1200, absolutamente gloriosa na Península Ibérica, que coincide com a época de ouro do islão na Península Ibérica. 

Este livro tem o objetivo de reconciliar os portugueses judeus e não judeus com esta parte da História. Nestes anos em que vive em Portugal sente que esta reconciliação foi feita?
E.R.: Vou responder dizendo como me sinto, não posso falar pelos outros. Como judeu e rabino, é uma bênção viver em Portugal. Quando alguém me pergunta se sou judeu, a pergunta é sempre seguida de uma expressão de acolhimento. Quando me perguntam como é ser judeu num país onde não nasci e cresci, esperam sempre ouvir sobre antissemitismo. O que sinto é que quando as pessoas percebem que sou judeu há sempre uma atitude de camaradagem, falam-me sempre das ligações familiares ao judaísmo, dizem-me sempre com muito orgulho que há uma história judaica forte em Portugal. É por isso que acho que este livro vai preencher um vazio de conhecimento sobre a beleza da herança judaica de pensamento. 

Acham possível que depois deste livro e de dar a conhecer estes rabinos um destes nomes consiga afirmar-se como um grande pensador português? 
S.P.: É possível e é desejável porque, como digo, isto faz parte da minha herança, mas também da nossa herança. É de todos. Há uma herança comum e desse ponto de vista, pessoas com o Isaac Abravanel, que tem uma produção literária e filosófica incrível, é um dos grandes pensadores do seu tempo. 

Está a destacá-lo neste livro conscientemente?
S.P.: Sim, sim. O facto de em Portugal termos um português que escreveu imensas coisas e nós não reivindicarmos esta pessoa como nossa e deixarmos que os italiano, porque ele morreu lá, façam a festa... não faz sentido nenhum. Há relativamente pouco tempo houve um artigo de jornal em que fazia exatamente este ponto - não tinha a ver com o judaísmo - que dizia que temos de ultrapassar a fase... só porque essas pessoas eram judias ou muçulmanas não quer dizer que não devam ser consideradas como as outras pessoas. Devemos considerar também a experiência e contribuição destas pessoas nessa altura, neste caso os judeus portugueses tiveram uma grande contribuição. O caso do Isaac Abravanel é absolutamente paradigmático, porque ele era um grande estadista. Em 1935 os ingleses reconheciam a importância do quinto centenário do nascimento de Abravanel. Em Portugal não sabíamos. 

Mas ao mesmo tempo sente que os portugueses de hoje dizem facilmente que têm sangue judeu. Têm certo orgulho.
E.R.: Depois de oito anos neste trabalho, no fim das aulas perguntavam muitas vezes: O que diria Isaac Abravanel ? Agora já sabem, estão em Portugal, pensam como ele. Estão ligados ao seu passado. 

S.P.: Este livro tem dois objetivos diferentes: um que é muito utilitário e muito judaico, que é nós na nossa tradição inspiramo-nos na Bíblia e na Tora para viver a nossa vida, e portanto todas as semanas aprendemos novos episódios. E há outra função muito diferente que é: o que é que tudo isso nos diz sobre a cultura dos judeus portugueses na altura, as contribuições do que eles escreviam. Dos anos 1500, de que autores portugueses é que alguém consegue falar? Estamos aqui a apresentar seis porque o nível de literacia dos judeus portugueses era muito alto, e estamos a esquecer uma parte da cultura portuguesa ao ignorar o que estas pessoas fizeram. O nosso objetivo é encontrar pontos, temos aqui uma ponte que nos liga. De alguma maneira, o que estamos a dizer... estamos a usar o Hino Nacional no livro para dizer que estes também são "os teus egrégios avós". 

Sendo judeu português a viver na América, quando está em Lisboa sente que o olham diferente no seu dia a dia?
S.P.: Tenho tido experiências, boas e más, mas eu prefiro focar-me nas boas. A minha casa cá é na Costa de Caparica, tenho tido imensos teenagers que querem tirar selfies comigo. 

A sua carreira académica não tinha de ser na América, podia ter sido em Portugal. Não tem nada a ver com o facto de ser judeu?
S.P.: Não tem nada a ver. Faço a minha carreira na América mais de 90% do meu trabalho é dedicado a coisas portuguesas. Tenho tido a política de não confundir o meu chapéu de economista com o meu chapéu de judeu, embora não seja fácil. Quando fiz palestras no DN, a conversa é sobre economia. Se as pessoas me fazem perguntas é porque têm curiosidade, querem saber. Mas mesmo isso, consigo mover-me em todo o âmbito de política económica sem sentir a menor preocupação de coisa nenhuma. Aqui há uns anos um ministro convida-me para participar numas negociações na UE, antes do início do euro. Havia uma avião do governo que ia seguir que era suposto sair na sexta de amanhã e o voo foi atrasado para sexta à tarde e eu disse que já não podia ir. E o ministro disse que abria a porta por mim, que fazia o que tivesse de ser... 

Já agora, era possível respeitar o Shabbat assim?
S.P.: Não era, e eu não fui. Mas o ponto não é esse, é estar ali uma pessoa que não tinha nada de estar com essa disponibilidade... há uma disponibilidade muito grande. Não sinto desconforto nenhum. 

É mais por não ser a norma, com a barba e a kippa, do que ser judeu?
S.P.: Completamente. Há uns anos, na Costa a coisa mais popular que os miúdos lá faziam era chamar-me Bin Laden. São brincadeiras. 

E.R.: A mim perguntam-me se sou judeu e a conversa é sempre muito calorosa, isso é uma coisa única em Portugal.

 

[Fotos: Jorge Amaral/Global Imagens - fonte: www.dn.pt]

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