terça-feira, 8 de maio de 2018

Mais sobre Galego e Lusofonia: a padronização pendente

Escrito por Xavier Frias Conde
A questão de qual a relação do galego com a Lusofonia, do ponto de vista reintegracionista, é uma questão que ainda dará para escrever muitas páginas e manter muitas discussões. No entanto, convém fixar alguns conceitos, como onde ficaria uma norma galega no padrão do idioma português, visto que a realidade, que é muito teimosa, até agora indica que há mais de uma proposta e que o chamado movimento reintegracionista é muito heterogéneo, o qual, embora pareça um problema, não o é, porque favorece que não existe uma só norma rígida reintegracionista para o galego, o qual, nos dias de hoje, é algo impossível e que seria nocivo para o idioma e os seus falantes.
Portanto, antes de iniciarmos as ditas questões específicas de qual a relação normativa do galego com a Lusofonia, é preciso esclarecer alguns conceitos, concretamente a que nos referimos quando falamos em padrão, parapadrão subpadrão, visto que, na própria sociolinguística da padronização nem todos concordam com a definição destes conceitos.
Em primeiro lugar, o padrão é o conceito hierarquicamente superior. O padrão é o modelo de lingua escrita no ponto mais abstrato, com umas regras para a escrita muito concretas, e uns paradigmas.
Língua-padrão é a maneira de falar e escrever que é considerada correcta por uma dada comunidade. Historicamente, é uma modalidade linguística que, servindo para controlar a variação dialectal inerente aos sistemas linguísticos, se tornou um meio de comunicação unificado nos ‘media’ e no ensino a estrangeiros (David Crystal A Dictionary of Linguistics and Phonetics, s/v).
Existe, portanto, um padrão do português, como existe um padrão para o espanhol, o inglês, o francês, etc. Todos estes idiomas possuem uma língua-padrão.
Mas, ao mesmo tempo, todas estas línguas não se falam, nem inclusive se escrevem, igual em toda a parte. No caso do inglês, até encontramos grafias diferentes segundo o país (cf. honour (GB) ~ honor (US); realise (GB) ~ realize(GB)), mas as diferenças léxicas são imensas entre os distintos territórios que falam as ditas línguas, sem por isso dizer que uma variante é melhor ou mais correta do que outras, daí que falemos em línguas pluricêntricas quanto ao seu padrão linguístico, onde cada concretização do dito padrão é o parapadrão nacional (ou regional).
Ainda nalguns casos, territórios por norma reduzidos, requerem, por motivos sócio-políticos, de uma adaptação ainda maior da norma, em cujo caso falamos de subnormas. Hierarquicamente reflete-se assim:
Padrão linguístico
Parapadrão A
Parapadrão B
Subpadrão A 1Subpadrão A2Subpadrão B1
Subpadrão B2
Para o português, há portanto um só padrão, mas visto que sim é uma língua pluricêntrica, existem normas. Entre elas, reconhecemos principalmente duas: a norma europeia (parapadrão lusitano) e a norma americana (parapadrão brasileiro), mas nem só existem estas, pois os países africanos de expressão portuguesa têm de facto a sua própria norma. Cabe até perguntar-se se se pode falar em normas asiáticas.
Nesta situação, oficialmente o padrão do português é diferente do padrão do galego, o qual envolve que, oficialmente, são duas línguas diferentes. Portanto, se não atendermos para o galego como parte da Lusofonia, o quadro normativo do português pode ser refletido assim:
padrao00
Como dissemos em cima, deveriam ser incluídas o restos de variantes africanas e também asiáticas, mas deixamos fora por questão de espaço.
No entanto, se aceitarmos que o galego faz parte da Lusofonia, então o gráfico anterior precisa de um quadrinho novo:
padrao01
E então, a que faz referência esse parapadrão galego? Existe este parapadrão desde 1985 na sua primeira versão, com formas diferentes adaptações e modificações. Ele é conhecido como Galego Internacional. Existe porque para a maioria dos reintegracionistas o parapadrão português não serve para a Galiza nem como língua administrativa nem educativa, embora sim possa servir como língua literária. De facto, a forma mais próxima deste parapadrão do português lusitano é  conhecida como Português da Galiza. Mas como acabamos de afirmar, existem duas propostas de padronização do galego internacional. A primeira é a promovida pela Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP) que se identifica com a visão de Português da Galiza. Por sua parte, a segunda proposta é a que sustém a Associaçom Galega da Língua (AGAL) que se identifica com a visão do Galego Internacional. No entanto, não se pode falar em duas propostas totalmente diferentes, mas de um continuum que permite a escolha de formas entre o português e o galego comum (no sentido que utilizava Carvalho Calero).
Porém, a inclusão de duas formas coexistentes em galego, mas que respondem a uma só realidade social, envolve que o galego precise dalgo mais do que um parapadrão. Precisa também de um subpadrão. Se calhar, o modelo catalão possa servir de referência, visto que os três níveis hierárquicos assinalados em cima existem neste diassistema:
padrao02
É interessante observar como os subpadrões da Franja de Poente em Aragão e do Alguer na Sardenha têm um status próprio, mas são considerados subpadrões, sem mais pretensão, para um uso local. Embora os três subpadrões estejam no mesmo nível, é inegável que o parapadrão do catalão da Catalunha é que tem um status mais internacional e até é o oficial num Estado que tem o catalão como língua oficial: Andorra.
Se incorporarmos o parapadrão do Português da Galiza e o subpadrão do Galego Internacional, o gráfico anterior tem de ser refeito assim:
padrao04
Contudo, ultimamente tem-se iniciado um debate na Galiza muito interessante. Está-se a falar da hipótese do binormativismo, isto é, que na Galiza possam coabitar duas normas para o galego (NORMIGAL), a da RAG/ILG que tem um valor mais ou menos oficial, junto com a reintegracionista (NORMINTERGAL). O debate está muito vivo hoje. Assim diz Xosé Ramón Freixeiro Mato, provavelmente a maior autoridade viva em Linguística Galega:
Por que não admitirmos que o galego possui uma norma própria ou interna, de uso habitual na administração e no ensino, e outra norma de uso internacional, a (galego-)portuguesa, que também deveria ser apreendida no ensino regrado e não discriminada ou reprimida? O nosso caso não seria muito diferente do de Noruega, com a variante ‘nynorsk’ ou norueguês tradicional e ‘bokmal’ ou norueguês mais próximo do dinamarquês, ambas as normas a gozarem de reconhecimento oficial e de aprendizagem obrigatória no ensino, apesar de a primeira só ser escolhida por 13% dos centros escolares como prioritária e por 7.5% da população norueguesa como a sua norma escrita. Teríamos assim no galego uma norma oficial maioritária, atualmente vigorante, e a vantagem de uma segunda norma que faria população escolar –e a mais longo prazo toda a sociedade galega– plenamente competente numa das línguas oficiais da Comunidade Europeia numa das mais faladas no mundo. Xosé Ramón Freixeiro Mato. https://www.sermosgaliza.gal/opinion/xose-ramon-freixeiro-mato/sermos-galiza/20180402143259067486.html
Se, aliás, se tomar em conta que a norma RAG/ILG, embora funcione como oficial, não é de facto oficial, a situação na Galiza é paradoxal, porque há uma norma que funciona como oficial sem o ser, e coabita com outra que é oficialmente marginalizada. Quanto ao valor oficial da NORMIGAL:
No caso da Galiza, a disposição adicional da Lei 3/1983, de 15 de junho, de normalización lingüística, refere-se à correção idiomática para estimar “como critério de autoridade o estabelecido pola Real Academia Galega”, indicando claramente que a opinião desse organismo é apenas um critério de autoridade que não se define como único ou exclusivo, nem como obrigatório para os administrados e muito menos como oficial.
A Sentença 1992/1993, de 4 de maio, do TSJG, confirmada pela sentença do Tribunal Supremo de 2 de outubro de 2000, defende a legitimidade do uso de “outras regras ortográficas do idioma galego assumidas e praticadas em eidos intelectuais e por capas sociais que atopam o seu fundamento e legitimidade em razões históricas, consuetudinárias, geográficas e de polimorfismo próprio das falas”, acrescentando que “consequentemente, constituirá um atentado ao direito à liberdade ideológica, científica, de expressão e de livre circulação das ideias, todo intento por parte dos poderes públicos de seiturar, com o galho da defesa a ultrança duma normativização oficial, posturas linguísticas que, não se apartando do seio comum de origem e convivência idiomáticas, se amossem como discrepantes”. 
Assim, se se alcançar binormativismo -que ao nosso ver seria a situação ótima para o idioma- e se reconhecer que o galego faz parte da Lusofonia, mesmo desde as posições oficialistas, poderíamos até encontrar com que o gráfico do padrão português deve ser refeito assim:
padrao05
Só o tempo dirá se chegaremos a esta situação ou se, infelizmente, o galego passará a ser uma lembrança saudosa e romântica de uma outra língua morta.
[Fonte: pivonauta.wordpress.com]

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