O presidente dos EUA, Donald Trump, durante pronunciamento nesta terça (8)
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Escrito por
Sérgio Rodrigues
Quando o presidente dos Estados
Unidos responde a uma bravata do ditador norte-coreano prometendo "fogo e
fúria", convém incluir entre os itens a serem levados para o abrigo
antinuclear um livro de retórica.
Ignorante
em tantas matérias mais simples, Donald Trump não deve saber disso, mas sua
ameaça é adornada por uma figura de retórica chamada aliteração. "Fire and
fury" nada tem de original: é o nome de uma canção da banda Skillet. Sua
brincadeira com o F, porém, é eficaz.
Claro
que a aliteração, baseada na repetição de fonemas, funciona com outros sons
também. Nem precisamos deixar o campo bélico para encontrar o famoso dito
atribuído a Júlio César: "Vim, vi, venci".
Castro Alves preferiu barbarizar baianamente em B quando imaginou uma bandeira
nacional "que a brisa do Brasil beija e balança".
Belo,
mas bolorento? Se tudo isso parece antiquado, a poesia prostituta da
publicidade atesta a atualidade do recurso: "Deu duro? Tome um
Dreher".
Arte
da eloquência cultivada com paixão na cultura greco-romana, a retórica se
preocupa com a melhor forma de usar as palavras para persuadir, engajar,
emocionar, ficar na memória. Só vai morrer quando morrer a linguagem.
No
entanto, faz tempo que os tomos dedicados à retórica clássica, que já foram de
estudo obrigatório, andam pegando poeira no almoxarifado das faculdades de
Letras.
Pesa
sobre os truques de estilo, também chamados figuras de linguagem, uma pecha de
artificialidade, exibicionismo, afetação. O abuso cometido por escritores que
não souberam o momento de parar tem muito a ver com isso.
Vejamos
estes versos célebres do grande simbolista Cruz e Sousa: "Vozes veladas,
veludosas vozes,/ Volúpias dos violões, vozes veladas,/ Vagam nos velhos
vórtices velozes/ Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas".
Bonito, certo, mas estará desculpado quem considerar essa volúpia de vulvas
vorazes um tanto, como se diz em português castiço, "over".
Não
é que as armas do arsenal retórico tenham caído em desuso. É que hoje –com
exceção da metáfora e de umas poucas figuras mais populares– elas costumam ser
disparadas por quem já não saberia dizer seu nome.
Não
que seja necessário. Quem precisa saber que o padre emprega um merisma quando
cobra dos noivos fidelidade "na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, na riqueza e na pobreza"? Entende-se que ele quer dizer
"sempre" e que o resto é belezura.
Se
até um fanfarrão como Trump pode ter seu momento oratório de Churchill, está
provado que a retórica independe de estudos de retórica.
Mas
que eles podem ser divertidos, podem. Caso a humanidade sobreviva a esse
energúmeno, quem sabe um dia a retórica volte à moda, atualizada e espirituosa
como no livro "The Elements of Eloquence", do inglês Mark Forsyth,
ainda sem tradução no Brasil.
Ali
aprendi que anadiplose é o nome do truque em que a última palavra de um verso
ou segmento de prosa é retomada no seguinte. E topei com uma velha crítica
gastronômica anadiplótica –e anônima– que levarei na memória até o fim dos
tempos:
"Se
a sopa fosse tão quente quanto o vinho, e o vinho tão velho quanto o peixe, e o
peixe tão fresco quanto o criado, e o criado tão submisso quanto a anfitriã,
teria sido um jantar muito bom."
[Foto: Jonathan Ernst/Reuters - fonte: www.folha.com.br]
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