Sabia há muito tempo:
Morava eu na Rua Castilho e, após o jantar, um amigo telefonou-me para irmos tomar café ao Paladium, não sei se ainda existe.
Era o ano da graça de 1975.
Fomos calmamente tomar café (o Paladium não era, na época, muito recomendável a moças de 21 anos, mas o meu amigo era de confiança, calmo e cordato, como adiante se verá).
Vínhamos nós a subir a Avenida da Liberdade, conversando, quando um idiota qualquer se ouviu, dizendo isto e aquilo sobre mim.
Fingimos nada escutar, pedi ao meu amigo que se mantivesse calmo, até encontrarmos um polícia, a quem demos conhecimento da ocorrência.
O caminho seria a esquadra mais próxima.
Mas primeiro que lá chegássemos!
O parvalhão, que estava bêbado, teve de entrar, com o polícia, em todas as capelinhas.
Nós esperávamos à porta.
Lá saíam e nós controlados, que éramos jovens e tínhamos o juízo intacto.
Passámos nisto grande parte da noite até que, vendo a nossa persistência, o polícia lá se resignou a dirigir-se à esquadra, onde apresentei queixa do malvado bêbado, com o meu amigo por testemunha.
O tempo passou até que recebemos notificação para irmos ao julgamento, no Tribunal da Boa Hora.
Cada um disse o que tinha de dizer e o juiz decretou ao réu 30 dias de prisão, ou a pagar uma quantia por cada dia de imerecida liberdade.
O sujeito argumentou que estava apaixonado por mim, que trabalhava no mesmo edifício que eu...
Eu juro que nunca o tinha visto!
Mas quer tivesse visto, quer não tivesse visto, a receita seria a mesma.
Porque há piropos e piropos!
Naquele tempo os rapazes perseguiam literalmente as moças, como se andassem à caça e iam dizendo coisas, tentando puxar conversa...nós mudando de passeio, eles atrás. Nós entrando num lugar público, eles atrás!
Dava cabo dos nervos!
Neste caso valeu-nos, a mim e ao meu amigo (simplesmente amigo!) a estratégia e a perseverança: eu tinha uma credível testemunha!
Eu não sabia se havia ou não havia lei: senti-me perseguida, incomodada, por alguém que não conhecia e segui o meu instinto!
E sim, eles diziam piropos mesmo a mulheres acompanhadas, sobretudo por outra mulher.
Às vezes eram piropos cómicos e fugíamos comprometidas, com vontade de rir....no entanto, passo apressado e rosto fechado!
Nota: A palavra piropo é um regionalismo de Portugal. Uso: informal. galanteio, elogio (esp. piropo 'certa pedra preciosa; galanteio'), segundo o dicionário Houaiss
Capelinhas - tabernas
Segundo o artigo 170º do Código Penal, o que está em causa não é um simples galanteio, mas sim as teias espinhosas do assédio sexual com a confusão conceptual entre sedução e assédio sexual.
Maria Petronilho
[Fonte: www.recantodasletras.com.br]
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