Escrito por EDWARD HELMORE
Do "Observer", em Nova York
No último dia 17, na saída da première em Nova York de seu
filme mais recente, Woody Allen estava mais que satisfeito com a recepção dada
ao filme (e com os convidados famosos). Mas mesmo ele tem consciência de que
esse nível de produção prolífica vai ter que terminar em algum momento. "É
difícil encontrar uma história com um bom começo, meio e fim e que divirta o
público", ele disse ao "Observer". "Com o tempo, o estoque
de histórias vai acabar. Vou cair duro com um derrame cerebral ou alguma coisa
assim."
Allen tem 78 anos, e a
recepção dada a "Magia ao Luar", seu quarto trabalho em três anos,
confirmou que ele é um tesouro americano de primeira ordem, não obstante as
sombras escuras que pairam sobre sua vida privada.
O diretor Woody Allen na première de seu novo filme em Nova York[Foto: Lucas Jackson - 17.jul.2014/Reuters]
A presença de
muitas figuras famosas na première, desde a editora de moda Anna Wintour até o
ex-comissário de polícia de Nova York Ray Kelly, pareceu decidir a discussão
sobre se ele deixaria de ter apoio depois de alegações de abuso sexual infantil terem sido
renovadas no "New York Times" este ano. Hoje, Woody Allen faz sucesso
mais constante que em qualquer outro momento de sua carreira, que já dura cinco
décadas.
Mesmo assim, este
vem sendo um ano complicado. Em fevereiro, o diretor foi questionado publicamente por sua filha adotiva Dylan Farrow, que
reiterou as alegações –feitas inicialmente por Mia Farrow no começo dos anos
1990– de que ele a tinha molestado sexualmente. As acusações foram feitas no
momento em que Allen estava prestes a receber um Globo de Ouro pelo conjunto de
sua obra. Ele rejeitou a acusação, dizendo que uma investigação policial
anterior o exonerou e que não iria mais se pronunciar sobre o assunto.
Na semana passada
ele repudiou a sugestão de que o público pode ser afetado. "Acho que nunca
alguém veio ver um filme meu sem pensar que teria prazer em vê-lo", ele
disse ao "New York Times". "Se as pessoas pensam que vão
curtir o filme, nada as afasta. E se não pensam que vão curtir o filme, nada
que possamos fazer as convence a vir."
Mas ele parece ter ganho a guerra de relações públicas. Um
agente cinematográfico veterano disse na semana passada que o fato de a sociedade nova-iorquina ter ido à première foi
importante. As acusações originais foram um desastre profissional para Woody
Allen, mas sua repetição parece ter prejudicado mais à sua ex-mulher Mia
Farrow, hoje vista por alguns como ex-companheira vingativa.
Emma Stone e Colin Firth em cena de "Magia ao Luar" [Foto: Jack English/Associated Press] |
Enquanto isso, o
diretor não dá sinais de estar reduzindo sua carga de trabalho. Ambientado na
Côte d'Azur na década de 1920, com Colin Firth no papel de um ilusionista
célebre e Emma Stone como candidata a médium, "Magia ao Luar" chega
na esteira de "Meia-Noite em Paris" e "Para Roma com Amor".
E houve "Blue Jasmine", que valeu a Cate Blanchett um Oscar de melhor
atriz. Cada um desses filmes foi lucrativo; "Meia-Noite em Paris"
arrecadou US$173 milhões (cerca de R$ 386 milhões).
A indústria do
cinema ignorou os chamados de Farrow ao boicote dos filmes de Allen, que agora
trabalha sobre um novo filme, este com Emma Stone e Joaquin Phoenix,
enquanto estuda outros trabalhos.
As resenhas críticas só sairão na próxima semana, mas já
está claro que "Magia ao Luar" é um trabalho altamente pessoal. Woody Allen trabalhou por um período
breve como ilusionista. Ele disse ao "Observer" que o filme foi
inspirado numa história que leu sobre falsos espiritualistas que o ilusionista
Harry Houdini se esforçava para expor.
David Thomson,
crítico e autor de "The New Biographical Dictionary of Film", diz que
Woody Allen é um contador de histórias. Embora "Magia ao Luar" possa
não ser uma de suas melhores, "isso não quer dizer que no próximo
ano ele não vá criar uma história ótima. Como é o caso com qualquer narrador,
algumas de suas histórias funcionam, outras, não. Mas por que os atores fazem
fila para trabalhar com ele? A resposta, é claro, é que Woody Allen já virou um
nome tão respeitado que trabalhar com ele funciona como uma medalha de honra. É
quase um rito de passagem."
De acordo com Colin Firth, seria uma insensatez deixar de aproveitar os anos de conhecimento especializado
contidos nesse cérebro de diretor. "Seus roteiros, o modo como concebe os
personagens, as tramas em que ele os coloca, tudo isso favorece os
atores", ele disse. "Magia ao Luar", tendo "You Do
Something To Me", de Cole Porter, como trilha sonora repetida, também
assinala a nostalgia que Allen sente da elegância e estética de tempos
passados.
Para um cineasta
tão dedicado ao trabalho quanto é Woody Allen, a investigação –aos 78 anos de
idade– de questões de espiritualidade e racionalidade torna o filme ainda mais interessante, diz Thomson:
"Uma condição do trabalho criativo é que as pessoas criativas enfrentam
grandes dificuldades na vida, então elas procuram algo que se pareça com a
vida. Woody Allen tem um nicho e um público. Ele cria filmes com um orçamento
determinado que atraem um público suficiente para lhe permitir fazer o que ele
quer fazer."
Esse fato pode
ajudar a explicar a razão de Allen nunca ter aderido a Hollywood. "Alguém
como ele, um contador de histórias nato, poderia ter ganhado muito mais
dinheiro trabalhando em Hollywood. Acho que Allen gosta de quando seus filmes fazem
sucesso comercial, mas não é isso o que o leva a continuar." Para o
crítico, Allen se restaurou profissionalmente. Em espírito, ele continua a ser
o personagem cético e neurótico que sempre foi.
"Sou como Blanche DuBois", Allen falou em
entrevista recente ao "New York Times". "Espero que haja um
certo tanto de magia no mundo. Infelizmente, não há o suficiente. Há coisinhas
esporádicas que podemos considerar que são mágicas. Mas na maior parte do
tempo, é a realidade dura e crua."
Tradução de CLARA ALLAIN
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