domingo, 20 de outubro de 2013

No filme 'Habi', garota em crise se converte ao islamismo

Por LÍGIA MESQUITA

Uma jovem recém-saída da adolescência vivendo uma crise de identidade. Eis um tema que, ao ser transportado para o cinema, corre o risco de resvalar no clichê --o que está longe de ocorrer em "Habi, a Estrangeira".

O longa escrito e dirigido por María Florencia Álvarez, 35, será exibido hoje na Mostra Internacional de São Paulo. O filme é coproduzido pelo brasileiro Walter Salles e conta com a atriz Maria Luísa Mendonça no elenco.

No filme, Analía (Martina Juncadella), 20, é uma jovem do interior que, de passagem por Buenos Aires, se depara com o velório de uma mulher muçulmana. Ela fica tão fascinada pela cultura islâmica, desconhecida para ela, que passa a querer fazer parte dessa comunidade.

Cena de 'Habi, a Estrangeira', de María Florencia Álvarez
Ela decide não voltar pra casa e volta à mesquita para conhecer mais sobre aquele mundo novo. Começa a usar véu e frequentar as rezas. E adota uma nova identidade com um nome que escolhe em um mural de avisos: Habiba, uma neta de libaneses que quer aprender árabe e entrar em contato com os rituais islâmicos.

"O islã entrou na história por uma necessidade da personagem, não por um motivo específico. Foi uma imagem intuitiva", disse a cineasta à Folha. "O tema do filme é a busca da identidade. Eu nunca pretendi explicar o que é o islã. Eu queria mostrar algumas coisas dessa cultura para quem não a conhece muito, mas dentro de um contexto específico: o islã em Buenos Aires."

Para dar verossimilhança à narrativa, Florencia buscou não-atores da comunidade muçulmana que frequentam a mesquita At Tauhid no bairro portenho de Flores, cenário do longa. Somente dois personagens desse núcleo são interpretados por atores.

A diretora conta que não queria fazer um filme em que a mudança de vida da protagonista partisse de algum acontecimento traumático, para que houvesse alguma justificativa para as ações da personagem.

"Essa busca por pertencer a algum lugar é algo que concerne a todos em algum momento da vida. De algum modo, podia ser a história de qualquer um", afirma.

"Creio que quando nos filmes se explicam as coisas há uma parte da gente que fica mais tranquila, porque as entende, mas se eliminam outras possibilidades."

HABI, A ESTRANGEIRA
DIREÇÃO María Florencia Álvarez
PRODUÇÃO Argentina, Brasil, 2013
ONDE Cine Livraria Cultura 1, hoje, às 19h
CLASSIFICAÇÃO livre
____________________________________________________________________________________________


Cinema argentino busca descoberta do mundo, afirma Walter Salles

Coprodutor de "Habi, a Estrangeira", o cineasta Walter Salles diz à Folha que o longa é original e corajoso e que a delicadeza do roteiro de María Florencia Álvarez chamou a sua atenção.

Para Salles, o cinema argentino seguiu a linha de que os filmes devem ser instrumentos de descobrimento do mundo, enquanto os longas brasileiros procuraram a recuperação de mercado.
Leia a seguir a entrevista com o diretor brasileiro.
*
Folha - Por que coproduzir "Habi, a Estrangeira?"

Walter Salles- Tudo começou com "Diários de Motocicleta". Filmar na Argentina criou laços afetivos com cineastas de Buenos Aires, que se traduziram em três filmes coproduzidos com nosso amigo Pablo Trapero : "Família Rodante", "Nacido y Criado" e "Leonera".


Logo depois, com Gustavo Santaolalla e Lita Stantic, coproduzimos "Café dos Maestros". Foi Lita quem me mostrou os ótimos curtas de María Florencia Álvarez e que trouxe a ideia de coproduzirmos "Habi, a Estrangeira".

Lita é uma craque, tem uma sensibilidade aguda para descobrir novos talentos. O novo acordo de produção entre Brasil e Argentina tornou a colaboração possível.

O que te chamou a atenção no roteiro?

A delicadeza com que María Florencia investiga o ponto de inflexão que é a adolescência, o momento em que se busca um lugar no mundo sem saber bem como, em que se têm mais perguntas do que respostas. Esse estado em que se está "entre mundos" é difícil de capturar no cinema, e o roteiro indicava que ela podia e queria fazê-lo.


O que mais gosta em "Habi"?

A originalidade e a coragem em tratar de um tema tão delicado com sensibilidade. "Habi" é um filme sobre o desejo de pertencimento. María Florencia filma esse território sob um ângulo inesperado.


O cinema argentino é melhor que o brasileiro, como dizem alguns críticos?

Na última década, o cinema argentino se manteve fiel à ideia de que filmes devem ser instrumento de descobrimento do mundo. Já o cinema brasileiro de ficção optou por uma estratégia de recuperação de mercado. Essa diferença explica, em boa parte, o fato de o cinema brasileiro estar ausente da seleção competitiva de festivais como Cannes, Veneza e Berlim desde 2008.


Por sorte, filmes extraordinários como "O Som ao Redor" surgem para mostrar que ainda é possível fazer um cinema instigante no Brasil. 

[Fonte: www.folha.com.br]

Sem comentários:

Enviar um comentário