Autor do best-seller "Como as democracias
morrem", Steven Levitsky aponta riscos da transformação de adversários políticos em inimigos no Brasil e
de uma restrição dos direitos civis, políticos e humanos sob Bolsonaro.
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| Muitos dos eleitores de Bolsonaro eram simplesmente anti-PT ou estavam irritados com o establishment, afirma Levitsky |
Por Guilherme Henrique
Uma democracia
liberal esvaziada pode ser o futuro do governo Jair Bolsonaro, afirma o
cientista político Steven Levitsky, autor do best-seller Como as democracias morrem, em entrevista à DW Brasil.
Professor de
ciência política na Universidade de Harvard, Levitsky escreveu
o livro em parceria com o colega Daniel Ziblatt. A obra tem como ponto de
partida a vitória de Donald Trump nas eleições americanas de 2016 para
mostrar como líderes populistas, assumindo o papel de "outsiders", estão alcançando o poder em diversos países.
No contexto
brasileiro, Levitsky afirma que a democracia liberal não parece estar
funcionando para muitas pessoas e que, em sua opinião, há uma boa chance
de que Bolsonaro torne o governo menos liberal.
"Os direitos
civis, políticos e humanos básicos de um grande número de brasileiros – de
afro-brasileiros a indígenas, de gays e lésbicas a ativistas de direitos
humanos e esquerdistas – poderão ser restringidos ou subvertidos. Se isso
se tornar sistemático, não poderíamos mais chamar o Brasil de uma democracia
liberal", afirma.
Além disso, a
polarização política ameaça a democracia brasileira. "Quando cada lado vê
seus rivais políticos como inimigos, há disposição para se fazer qualquer
coisa – até mesmo violando as regras da democracia – para
impedir que eles ganhem. Já estamos vendo sinais disso no Brasil."
DW Brasil: No
livro Como as democracias
morrem há uma análise de como os
partidos políticos e os políticos – os chamados guardiões da democracia
– podem falhar em meio à busca por objetivos pessoais. A eleição de
Jair Bolsonaro, assim como a de Donald Trump, reflete isso?
Steven
Levitsky: Sim e não. O
sistema político do Brasil é mais aberto que o dos EUA, em que os partidos são
mais fracos. Ao contrário de Trump, que precisava do apoio dos líderes
republicanos para concorrer, Bolsonaro concorreu com seu próprio
partido. No caso do Brasil, acho que a polarização e o medo da esquerda
importam tanto, se não mais, que a ambição pessoal. Muitas elites políticas e
econômicas simplesmente pensaram que o PT era pior [que Bolsonaro], ou pelo
menos igualmente ruim.
Que
responsabilidade políticos e partidos têm e em que falharam quando a democracia
é questionada pela sociedade e líderes autoritários emergem?
Depende muito do
país. Com muita frequência, [falharam quanto ao] o desempenho
econômico – esse era certamente o caso no Brasil ou na Venezuela antes de Hugo
Chávez. Mas nem sempre é isso. A economia dos EUA não estava em tão mau estado
em 2016. Podem ser outras áreas políticas, como crime ou corrupção. Mas, de
forma mais geral, há uma percepção de que os políticos não estão ouvindo as
pessoas, de que elas não representam eleitores e de que estão mais interessados
nos problemas das elites do que nas pessoas em geral.
No livro, há
também a ideia de que tolerância mútua e reserva
institucional são fatores que salvaguardam as democracias, além das leis
escritas na Constituição. O que esses dois termos significam?
Tolerância mútua
significa aceitar o rival como um candidato legítimo, e não um inimigo ou uma
ameaça existencial. Reserva institucional significa ter moderação na
implantação de prerrogativas institucionais – não usando a letra da lei de
maneira que subvertam o espírito dela. Democracias não podem funcionar bem sem
essas normas.
Quando rivais são
vistos como inimigos (comunistas, fascistas, criminosos, traidores, etc.), há
uma disposição para usar "todos os meios necessários" para
mantê-los fora do poder. Isso significa abandonar essa moderação e engajar-se,
pelo menos, no "jogo duro" constitucional – como temos visto nos
últimos anos no Brasil – e, às vezes, no autoritarismo aberto – como se
viu no Brasil em 1964 e no Chile em 1973.
Nas últimas eleições
brasileiras, adversários políticos se tornaram inimigos. Quais são os
riscos para a democracia quando há esse tipo de polarização?
Há riscos
terríveis. Polarização extrema mata a democracia. Pense na Espanha e na
Alemanha na década de 1930; no Brasil no início dos anos 1960; no Chile em
1973; na Venezuela e na Turquia no início dos anos 2000. Quando cada lado vê
seus rivais políticos como inimigos, há disposição para se fazer qualquer
coisa – até mesmo violando as regras da democracia – para
impedir que eles ganhem. Já estamos vendo sinais disso no Brasil. Vimos sinais
na campanha de 2014, no impeachment de 2016, no fato de a elite ter
amplamente abraçado a exclusão de Lula das eleições – algo que pode
ter sido merecido, mas ainda é realmente problemático para a
democracia –; e vimos isso no apoio de muitos políticos a um candidato
abertamente autoritário como Bolsonaro. Os riscos são muito reais.
Durante as
eleições, o presidenciável do PT, Fernando Haddad, tentou
criar uma frente democrática. Você vê a necessidade dessa frente após a
eleição de Bolsonaro?
Sim, há uma
necessidade de tal frente, mas acho que ela é improvável no momento – pela
mesma razão que não se formou em 2018: polarização. O PT e a centro-direita
desprezam e temem um ao outro agora. Eventualmente, se as coisas ficarem ruins
o suficiente, eles podem cooperar, podem olhar para os socialistas e
democratas chilenos nos anos 80 como modelo, mas agora eles não estão suficientemente
próximos.
Para o Brasil, a
eleição de Bolsonaro pode trazer um esvaziamento democrático?
Nós ainda não
sabemos o que essa vitória significa. Não havia um apoio esmagador a Bolsonaro,
com apenas cerca de um terço dos brasileiros realmente entusiastas do seu
projeto. Muitos outros eram simplesmente anti-PT ou estavam irritados com o establishment em geral. Então, depende
do que Bolsonaro fizer. A democracia liberal do Brasil estava doente – por uma
razão compreensível: o país teve uma de suas piores recessões, ao mesmo tempo
que foi descoberto o maior escândalo de corrupção na história do mundo
democrático. A isso se somou uma grave crise de segurança. Os eleitores estavam
compreensivelmente irritados e queriam uma mudança significativa. O Brasil foi
governado pela centro-esquerda por 15 anos, então Haddad representava o infeliz status quo. E, claro, [Geraldo] Alckmin também representou o status quo para a maioria dos eleitores.
Então, a
democracia liberal não parece estar funcionando para muitas pessoas. Ela vai esvaziar-se
agora?
Nós ainda não
sabemos. Eu acho, infelizmente, que há uma boa chance de que ele se torne menos
liberal. Os direitos civis, políticos e humanos básicos de um grande número de
brasileiros – de afro-brasileiros a indígenas, de gays e lésbicas a ativistas
de direitos humanos e esquerdistas – poderão ser restritos ou subvertidos. Se
isso se tornar sistemático, não poderíamos mais chamar o Brasil de uma
democracia liberal.
O surgimento de
líderes populistas em todo o mundo, como Bolsonaro, Trump, Rodrigo Duterte,
Viktor Orbán e outros, sugere o fim do modelo democrático? No livro Como a democracia chega ao
fim, David Runciman diz que a
democracia ocidental está em declínio e que seu auge já passou.
É cedo demais para
dizer isso. Tudo depende da alternativa. Se um modelo alternativo viável e
amplamente legítimo emergir, então sim, a democracia liberal poderia estar em
declínio. Mas até hoje isso não aconteceu. Até hoje estamos no mundo de Winston
Churchill, segundo o qual a democracia é a pior forma de governo, salvo todas
as demais experimentadas de tempos em tempos.
Pense na América
Latina. As democracias entram em apuros o tempo todo: o Peru na década de 1990,
a Venezuela, a Nicarágua e o Equador nos anos 2000. Mas as alternativas – por
exemplo, o chavismo – não surgiram como um modelo alternativo viável. Já
perderam o brilho e se mostraram bastante frágeis. No Equador, até entrou em
colapso. E o modelo proposto por oponentes e sucessores? Ainda é a democracia
liberal. Então, não está claro se a
democracia está chegando ao fim. Isso é especulação.
[Fonte: www.dw.com]

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