Como salvar a honra
da nação e justificar uma lacuna em nosso vocabulário sexual
Cena do flme "Ninfomaníaca", do
diretor Lars von Trier
Escrito por Sérgio Rodrigues
Estávamos na vila medieval de Óbidos, em Portugal, terra
da ginja, para participar de um festival literário. Na roda formada por homens
e mulheres de nacionalidades lusófonas diversas, o escritor angolano José
Eduardo Agualusa resolveu pegar no pé de uma lacuna vocabular brasileira.
“No Brasil não existe minete”, declarou, para espanto e indignação da ala
feminina do grupo. Embora conste que em certas regiões do país a palavra não
seja desconhecida, Agualusa tinha lá sua razão, como comprova o fato de que poucos
leitores desta coluna saberão o que vem a ser o tal minete.
A confusão proposital entre a palavra, que de fato não existe para a
maioria dos nascidos aqui, com a coisa, que tem existência vibrante para muita
gente, era parte da piada. Uma piada que exigia resposta rápida do único
brasileiro presente, ou seja, eu.
Estava em jogo nada menos que a dignidade nacional, ainda que em sua
versão simbólica de jogo de salão.
Para que a história faça sentido será preciso explicar logo o que é
minete, um substantivo que, naquele momento, eu mesmo acabava de conhecer.
Chega de preliminares: minete é sexo oral em mulheres. O contraponto feminino
do boquete.
Em português brasileiro, um silêncio, uma lacuna que a gozação de Agualusa
diante da plateia escandalizada tornava constrangedora. Quando não uma lacuna,
no máximo um daqueles substantivos informais feitos na marra com
o particípio —no caso, do verbo “chupar”. Mas isso não livraria nossa cara coletiva naquela hora.
Por que, afinal, não temos um substantivo bom e honesto para nomear ato
tão relevante? Logo nós, com nossa fama —não inteiramente justa, mas insuflada
por décadas de campanhas turísticas oficiais— de povo liberadão e de
sexualidade à flor da pele.
Não será verdade que a exuberância vocabular sempre acompanha o peso
cultural das coisas, como sugerem os incontáveis nomes que a cachaça acumula
país afora? Se for verdade, o que essa fenda pudica em nosso vocabulário
revela? Em resumo: custava tanto assim termos importado “minete”?
Seria uma mentira cômica dizer que, sendo um povo erudito, “cunnilingus”
resolve a questão para nós. Além de ser pedante, feioso e de uso raro, o termo
latino tem sonoridade que pode provocar certos mal-entendidos anatômicos.
Tudo ao contrário de “minete”, um vocábulo simpático e tão popular em
Portugal quanto na África lusófona. Vem do francês “minet”, ou mais
provavelmente de seu feminino, “minette”. Quer dizer gatinho ou gatinha e tem
sentido lúbrico por associação óbvia com a lambeção apreciada pelos bichanos.
Caros compatriotas: naquele momento difícil, eu precisava de uma
iluminação divina, nada menos que isso, e tenho o prazer de relatar que ela
veio. Ponderei à pequena audiência lusófona multinacional que nem sempre a
ausência de uma palavra traduz desinteresse ou falta de apreço.
Às vezes é o contrário: por respeitar demais alguma coisa, por nos
sabermos pequenos e indignos diante de sua grandeza, nos recusamos a reduzi-la
a um nome. “Vejam o caso de Deus. YHWH, o impronunciável tetragrama hebraico, é
um exemplo.” Não sei se colou. Fez o pessoal rir, e isso bastava.
[Fonte: www.folha.com.br]
Sem comentários:
Enviar um comentário