Escritor resume um hiato de oito anos sem publicar nenhum com o romance 'Fabián e o Caos'
Por Ubiratan Brasil
Fazia oito anos que o escritor cubano Pedro Juan
Gutiérrez não publicava um livro – desde 2007, com Coração Mestiço –,
jejum encerrado agora com Fabián e o Caos, que a Alfaguara lança na
próxima semana. Mas a gestação dessa história durou mais, acima de duas
décadas. “O texto mistura ficção com autobiografia, mas precisei de um tempo
até decidir escrever sobre um amigo querido”, conta Gutiérrez ao Estado,
em entrevista por telefone desde Tenerife, na Espanha, onde ele divide o tempo
com sua moradia em Havana. Ele se refere a Fabián, inspirado em um colega de
adolescência, que sofreu os problemas relatados na obra.
Fabián e o Caos se passa nos anos 1960,
período que marcou o início do governo revolucionário de Fidel Castro que tomou
o poder em 1959. Um momento que, por ser demais conflitante, une dois rapazes
que aparentemente não têm nada em comum. Fabián é um apaixonado pelo piano e a
música clássica, arte pela qual ele sublima sua homossexualidade sufocada e a
realidade ao redor, cada vez mais agressiva. Já Pedro Juan, ao contrário, é o
próprio jovem insolente, hedonista, preocupado apenas em viver bem, o que o
obriga a contornar problemas.
Como ambos exibem culpas condenadas pelo novo
governo (sexualidade anormal e vagabundagem), são obrigados a trabalhar em uma
fábrica de enlatados, na condição de párias da sociedade revolucionária. Surge
ali uma amizade improvável, mas confortadora.
Dono de uma visão impiedosa sobre seu país
(alguns de seus livros nem foram publicados lá), Gutiérrez aproveita a atual
abertura vivida por Cuba para também incluir críticas políticas mais incisivas
contra a revolução. E, de quebra, volta com o personagem Pedro Juan, alter ego
presente em outros romances e que, agora, revela uma doçura
incontestável.
Você demorou para escrever essa história,
cerca de 20 anos. Por quê?
É uma história com forte cunho autobiográfico,
está baseada em fatos reais. Fabián existiu, foi meu amigo Fabio Hernández,
homossexual, um cara com um talento incrível, um grande pianista que teve um
final trágico: suicidou-se. Assim, tive dúvidas em escrever por razão ética.
Por outro lado, eu o queria como um irmão, sentia o dever de deixar escrito o
que havia passado. Vivemos um período difícil em Cuba naqueles anos 1960, 1970.
Fabián passou por maus bocados pelo fato de ser gay e isso precisava ser
registrado. Decidi, portanto, que não seria um livro de memória, mas uma ficção
que trouxesse frações da realidade. Uma realidade literária. Pude, assim,
escrever sem chorar. Preciso confessar que sou obsessivo compulsivo, ou seja
escrevo bem poesia e contos, que são relatos curtos, diretos. Já um romance me
obriga a fazer revisão, demora muito. Fico angustiado.
Fabián é um personagem fascinante
justamente por suas limitações: ele tanto se fecha socialmente para esconder
sua homossexualidade como também não percebe as mudanças políticas do país ao
se dedicar de cabeça no estudo do piano.
Como todo artista sensível, Fabián era fechado em
seu mundo, egoísta, escutando apenas as notas de seu piano. A realidade não
existia para ele. Nesse momento, comentando isso com você, começo a descobrir o
motivo de eu ter dado esse título ao livro, Fabián e o Caos –
normalmente, levo meses, até anos para desvendar o mistério que é escolher o
título das obras. ‘Fabián’ porque era um mundo fechado e ‘o Caos’ significa a
loucura que o rodeava sem que ele percebesse.
Você utiliza duas vozes literárias na
narrativa: a terceira pessoa quando descreve a história de Fabián e sua
família, e a primeira pessoa, quando trata de Pedro Juan. Por quê?
Eu queria concentrar a atenção do leitor em
Fabián, daí a opção pela terceira pessoa – é possível expandir a narrativa,
falar sobre a origem de seus pais, enfim, sua história. Na terceira pessoa, foi
possível descrever a chegada a Matanza dos pais de Fabián nos anos
pré-revolucionários, a chegada de Fidel Castro ao poder e a radicalização da
Revolução nos anos 1960 e 70. De outra forma, não teria espaço para a
amplitude. Já a narrativa de Pedro Juan é em primeira pessoa porque está
delineada na subjetividade e descreve os gestos de um inadaptado, alguém que
participou ativamente daqueles anos tão complicados. Acredito que os dois
narradores convivem bem, oferecendo perspectivas distintas dos acontecimentos.
Por falar em contraste, como você vê as
diferenças entre Fabián e Pedro Juan que, na verdade, são muito próximos e
complementares justamente por serem tão distintos?
Concordo com você. Eles são como Yin e Yang, que
expõem a dualidade de tudo que existe no universo. E, embora muito diferentes,
há uma atração mútua que os une e os aproxima. Fabián, por exemplo, admira a
força física de Pedro Juan, enquanto esse tem uma inveja carinhosa pela cultura
do amigo. Ambos, em suas diferenças, revelam-se muito humanos.
Esse novo livro surpreende por outro
motivo: a forma mais aberta com que faz uma crítica política. Já é um reflexo
dessa fase de abertura político e social vivida em Cuba?
Com certeza. Os anos 1960 e 70 foram marcados por
muita injustiça em Cuba. Foi um período nefasto para a cultura, em especial a
literatura – muitos escritores precisaram sair forçosamente do país, outros
foram presos. Não era um assunto que se pudesse discutir abertamente. Agora,
que há mais possibilidade, sinto a necessidade de escrever sobre isso – não só
porque vivi aquilo, mas também para que não se repita mais.
Ainda que sob censura, você nunca se
negou, em seus livros, a retratar a pobreza e seus efeitos maléficos.
Fico feliz por você mencionar isso, pois a
essência da minha obra gira em torno da pobreza, como ela destrói o homem e o
impede de se desenvolver como um ser humano, de ter uma religião, de
desenvolver a criatividade, de ser alguém ético. Sempre acreditei que a miséria
material provoca a miséria moral. Confesso que sempre me desagradou o fato de
muitos críticos e jornalistas destacarem o sexo como qualidade identificadora
da minha obra – claro que é um aspecto importante, especialmente por conta do
ambiente que descrevo, mas sexo é como o molho, ou seja, secundário. O tema da
pobreza é, de fato, o que realmente me interessa. Quando eu tinha 19 anos,
escrevi o que seria o meu primeiro romance. Era sobre uma família que vivia
longe de Havana. Mas, como o nível de degradação financeira é muito grande,
essa família é destruída pela pobreza em quatro, cinco anos e esse é o seu
drama. Na época, percebi que ainda não tinha condições de descrever uma
situação parecida e não publiquei o romance. Mas já sabia ter o gérmen daquilo
que depois se transformou em um estilo e em um tema que sempre me perseguiria.
FABIÁN E O CAOS
Autor: Pedro Juan Gutiérrez
Tradução: Paulina Wacht e Ari Roitman
Editora: Alfaguara (200 págs., R$
44,90)
[Fonte: www.estadao.com.br]
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