Por DIOGO BERCITO
de MADRI
A língua árabe tem, na estrutura, uma das chaves para a
compreensão da obra do escritor libanês Elias Khoury.
Nesse idioma, as palavras
"homem" e "esquecimento" têm raiz semelhante. No trabalho
de Khoury, que vem à Bienal do Livro de São Paulo dia 27 deste mês, tanto a
humanidade quanto a memória são dois dos temas centrais.
"Nossa memória é a
organização dos nossos esquecimentos", diz à Folha.
"A maneira com que nos lembramos das coisas está baseada na realidade. Mas
ela é também, em parte, inventada."
Khoury tem, nas últimas
décadas, produzido obras já essenciais na literatura libanesa, e árabe em
sentido mais amplo, como "Porta do Sol" e "Yalo", ambas
traduzidas ao português pela professora da USP Safa Jubran.
São longos romances narrados
pela mistura de memórias com o fluxo da consciência dos personagens, resultando
em uma imagem ampla da qual o leitor não saberá dizer, ao fim de sua leitura, o
que é realmente real.
"Estou perdido entre
minhas próprias memórias e a memória dos meus romances", afirma Khoury,
com a metade de seu rosto que aparece na tela do Skype. "Às vezes penso
que determinada coisa aconteceu comigo, mas aconteceu na verdade com um dos
meus personagens."
OPRIMIDOS
O que não significa que a obra
de Khoury não se refira à realidade. Se em "Yalo" ele tratou da
guerra civil libanesa, em "Porta do Sol" o autor discute a questão
palestina. "Precisamos contar a experiência da vida presente."
"Há muitas lacunas na
memória, especialmente na dos oprimidos", afirma, referindo-se à criação
do Estado de Israel e à expulsão de palestinos, em 1948. "A história
palestina foi destruída pela escrita feita pelo agressor."
"O que tento fazer, na
literatura, é preencher a lacuna criada pela história. O que sobra aos
oprimidos é a narrativa, onde podem vencer."
A literatura é também, diz Khoury, o único lugar em que podemos nos comunicar
com os mortos. "Ouvimos o que eles têm a dizer e criamos espelhos das
nossas experiências humanas", afirma o escritor libanês. (DB)
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