sábado, 22 de junho de 2013

Lartigue, um dos fundadores da fotografia moderna, ganha sua primeira mostra no Brasil

Por MARCO AURÉLIO CANÔNICO

A vida é essa coisa maravilhosa que dança, pula, voa, ri... e passa! E essa matéria animada, mutável, eu gostaria de imobilizá-la, capturar em pleno voo a imagem de um instante, de um curto fragmento de tempo que daí em diante será algo eterno."

Quem vê as fotos do francês Jacques Henri Lartigue (1894-1986) compreende de imediato a frase acima. Anotada em um de seus diários, ela também serve de resumo de sua filosofia.

Considerado um dos fundadores da fotografia moderna, Lartigue tem parte de sua obra exposta no Brasil desde a última sexta, no Instituto Moreira Salles do Rio -a exposição chega a São Paulo no ano que vem.

Jeannine Lhemann na praia de Royan: foto de 1926 de Jacques Henri Lartigue

Filho de uma família da alta burguesia parisiense, ele experimentou em primeira mão a revolução tecnológica do início do século 20 -a invenção do automóvel, da aviação e o desenvolvimento da própria fotografia-, e começou a registrar esse cenário a partir dos sete anos.

"Ele explorou muito o registro de uma vida que estava se acelerando e de uma técnica de representação visual que consegue capturar isso", diz Sergio Burgi, coordenador de fotografia do IMS.

Não por acaso, a mostra dedicada ao francês se chama "A Vida em Movimento", e reúne 255 obras, entre fotografias, fac-símiles de páginas de diários, vistas estereoscópicas (tridimensionais) e filmes, todas pertencentes à instituição francesa Donation Lartigue.

IMPROVISOS

Mais do que um garoto rico que teve a sorte de ter acesso a câmeras fotográficas num momento em que elas eram raras, o francês foi um artista intuitivo, cujo estilo acabou sendo talhado pelas limitações técnicas da época.

"Quando criança, ele tinha uma câmera com 12 placas de vidro [onde ficariam as imagens]. Para não gastá-las, era obrigado a pré-visualizar as imagens, tê-las na cabeça para assim capturar o instante exato. Sabia que não podia errar", diz Martine d'Astier, diretora da Donation Lartigue e curadora da mostra.

Em boa parte das imagens expostas é possível ver o fotógrafo tentando registrar o que chamava de "a alegria do movimento" -seus amigos e familiares brincando, as corridas de automóvel, as forças da natureza.

Mas Lartigue também foi uma espécie de precursor dos atuais editoriais de moda, fotografando as elegantes mulheres de seu círculo social, em lugares como Biarritz, Cannes e Cap d'Antibes.

Não por acaso, anos mais tarde sua obra chamou a atenção do fotógrafo de moda Richard Avedon (1923-2004), que se tornaria seu amigo e publicaria, em 1970, o livro "Diary of a Century" (diário de um século), dedicado ao francês.

O livro foi um dos motores do tardio reconhecimento da obra de Lartigue, que se tornou uma figura pública apenas em 1963, quando o MoMA (Museu de Arte Moderna), de Nova York, fez uma exposição de suas fotos.

"Ele foi descoberto quando tinha 70 anos, e disse: 'Na idade da aposentadoria, estou virando profissional'", diz D'Astier.

"Os americanos adoraram suas fotos da belle époque, porque representavam um paraíso perdido, em um momento em que o mundo estava se globalizando."

JACQUES HENRI LARTIGUE: A VIDA EM MOVIMENTO

QUANDO ter. a dom., das 11h às 20h; até 15/09
ONDE Instituto Moreira Salles - Rio (r. Marquês de São Vicente, 476, tel.: 0/XX/21/3284-7400
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO livre
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Álbuns em ritmo de diário íntimo criaram ode à vida

Por EDER CHIODETTO

A fotografia, para Jacques Henri Lartigue é, em essência, uma linguagem por meio da qual se pode colocar a lei da gravidade em xeque.
Emsuas imagens tudo tende a levitar, fluir, mergulhar, ganhar velocidade, decolar, se desequilibrar e, por fim, escapar do fotograma.
Henri Cartier- Bresson disse que o surrealismo da fotografia se localizava em sua exótica capacidade de congelar cenas emvelocidade e nos permitir vê- las estáticas, como o próprio olho humano não é capaz de fazer.
Lartigue percebeu isso cedo e, emsuas fotos, realizadas no ritmo de crônica ou de um diário íntimo, gerou uma das mais belas odes à vida, conotando leveza, humor, delicadeza e presença de espírito.
Afotografia comocoreografia é a face mais característica do seu trabalho e o que deu atemporalidade às imagens.
O retângulo do visor, por onde o fotógrafo enquadrava as cenas, era como um campo que, para representar enfaticamente a pulsão da vida, deveria ser expandido, se possível implodido, pela composição.
As pessoas, os animais e os objetos que levitam, ascendem ou são flagrados no instante que antecede a quedafiguram sempre como ameaças à integridade da moldura que os aprisiona na foto.
Recurso utilizado para nos fazer perceber oextra- quadro, aquilo que está logo ao lado, mas que a fotografia sonega: metáfora da simultaneidade dos infinitos eventos que ocorrem num só instante.
Não é à toa que a água e o ar estão entre seus principais temas e são priorizados pela curadoria nessa mostra do Instituto Moreira Salles, no Rio. Ambos são signos de fluidez e transitoriedade.
O curioso é perceber como Lartigue, que nunca se preocupou em desenvolver uma obra fotográfica, conseguiu sintetizar, no interior do seus álbuns, conceitos tão precisos, alinhavados por uma poética tocante.

[Fonte: www.folha.com.br]

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