O teleatendimento é um bom retrato
do Brasil, não só porque não funciona, já que não se consegue resolver nada de
nada por esse nulo serviço, mas também porque o copioso exército de
teleatendentes é retrato fiel do que a nossa péssima escola (não) forma, (não)
produz.
Como bem
sabe o leitor, é difícil, muito difícil (salvo raríssimas exceções) travar
qualquer diálogo que faça o teleatendente sair do roteiro preestabelecido e
enfiado goela abaixo dele e de todo o "exército".
Pois bem. Há
alguns dias, telefonei para o SAC de uma grande editora do país, para tratar de
um problema com a assinatura de uma revista. Lá pelas tantas, a atendente
justificou a ocorrência do tal problema com esta expressão: "É erro
sistêmico".
O que
significa "erro sistêmico"? O que significa "sistêmico"? Os
dicionários registram vários significados de "sistêmico". O que
talvez seja o mais usual é definido assim pelo "Houaiss":
"Relativo a ou próprio de um sistema". Quando se ouve o teleatendente
dizer "erro sistêmico", pode-se ter a impressão de que ele quer dizer
que o erro é típico daquele sistema, isto é, que sempre que ocorrer tal fato o
"sistema" vai errar.
Não era esse
o caso do meu problema. Logo depois que encerrei a conversa, o zelador me
entregou a correspondência do dia. Lá estava uma carta da editora, em que...
Bem, o fato
é que o que se dizia na carta é que o tal erro ocorreu por uma razão que
anulava tese do "erro sistêmico". Ou será que por "erro
sistêmico" o atendente quis dizer pura e simplesmente que o tal erro foi
do sistema, sem querer dizer que esse erro é sistemático, ou seja, que sempre
ocorre em determinada situação?
Nem uma
coisa nem outra, caro leitor. O bendito sistema não tem RG, CPF, CNH, título de
eleitor etc. O erro é de quem programa o sistema, ou seja, é do homem, do ser
humano. É ele que programa essas engenhocas.
Sabe aquela
coisa de dar nome aos bois? Isso é mais velho do que andar para a frente.
Quando o nome verdadeiro é "impróprio", cria-se um mais suave,
"palatável", menos chocante. São os tais dos eufemismos. A
incompetência (nacional, diga-se) no gerenciamento da água, por exemplo, deu
origem a um boi com nome diferente do de batismo. Esse boi agora atende por
"crise hídrica". O racionamento vira "administração da
disponibilidade de água".
Quando os
preços aumentam (a começar pelos controlados), as autoridades de turno
aposentam a palavra "aumento" e sacam a surradíssima expressão
"realinhamento de preços". Estranhamente, nesses
"realinhamentos" nenhum preço cai...
Quando
policiais despreparados agridem a primeira criatura que lhes cruza o caminho,
ouve-se a expressão "abuso", o que parece legitimar a ideia de que
"só um tapinha não dói" (bater "de leve" não é abuso...).
Sabe aquela
genial canção dos Titãs "Nome aos Bois"? Já há material mais que suficiente
para a "Nome aos Bois 2" (3, 4, 5...) –com os nomes dos bois certos,
é claro. Enquanto não vem a "Nome aos Bois 2", pode-se saborear o
último CD da banda, "Nheengatu", de 2014. O "nheengatu",
que hoje é língua geral amazônica, desenvolveu-se a partir do tupinambá.
Qualquer semelhança com a famosa expressão "nhe-nhe-nhem" não é mera
coincidência. Haveria algo mais apropriado do que "nhe-nhe-nhem" para
definir o que andam dizendo muitos "gênios" do país?
Mas as
letras de "Nheengatu" nem de longe constituem nhe-nhe-nhem. Elas
dizem boa parte do que deve ser dito (e ouvido) neste triste e obscuro momento
da vida brasileira. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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