sábado, 1 de julho de 2017

As cegonhas do registro civil



Escrito por Alejandro Mercado

São pouco mais de sete bancos em frente a uma porta que funciona como uma espécie de balcão, ao lado da portaria da maternidade. Ali, pais ainda atordoados e confusos com o novo momento por vir preenchem uma ficha de cadastro para o registro de seus filhos, recém-nascidos.
Sentado tal qual os demais, observo a tensão nos olhos dos que, assim como eu, estão ali pela primeira vez. O momento do registro não é um ritual sagrado, com água, padre, benzedeira. Na realidade, costuma ser solitário, dividido apenas com estranhos, outros Silva, como você e eu. Na solidão daquele quadrado mais escuro que o restante da maternidade, o que o torna, ainda por cima, mais frio, os pais precisam ter calma, frieza e uma boa caligrafia. Com uma prancheta nas mãos e uma caneta BIC presa à mesma, anotam na folha A4 os primeiros dados da vida do bebê, dados que se eternizam, ainda que o nome, em casos extremos, possa ser alterado. Um misto de medo e ansiedade toma conta desses novos pais.
Sem a presença da mãe, que aguarda no quarto sua completa recuperação, o pai apresenta sua artilharia pesada de dúvidas. “O que devo preencher?”, “minha esposa não pode ver?”, “eu não tenho pai em registro, não preencho o espaço do avô paterno?”. Escuta-se de tudo, especialmente a respiração daqueles homens angustiados, na espera da hora em que poderão, finalmente, retornar ao aconchego de seus lares, ainda que ele não seja mais só seu.
A função da moça sentada à mesa atrás do balcão é primordial: interpretar os garranchos de gente pouco acostumada a escrever, não por falta de ensino, mas porque assim são os novos tempos: muitos caracteres, mas poucos feitos à caneta. Entre Joãos e Marias, seu trabalho minucioso determina a próxima lista de chamada, a lista de convidados de um futuro casamento, a escalação da Seleção Brasileira de futebol e até a lista do Fachin, ora vejam. Também determina o bullying pela grafia errada ou o apelido pelo nome inusitado que ela, infelizmente, não impediu que o pai pusesse na criança. Austera, trilha entre a serenidade e a calma, necessárias para lidar com os pais assustados, e a firmeza que o trabalho em um cartório impõe, afinal, estamos falando de Brasil.
Ao fim do dia, ela terá registrado o nascimento de inúmeros novos seres humanos sem que lhe tenham perguntado, ao menos, seu nome. Para as lendas modernas criadas pelos pais para este momento ímpar da vida, elas podem entrar como uma espécie de cegonha do registro civil de pessoas naturais. Além de não vir voando e nem ter penas, também lhe falta a pasta e o quepe azul a lhe proteger a cabeça. Ah, essas cegonhas modernas.

[Ilustração: Gretchen Ellen Powers - fonte: www.aescotilha.com.br]

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