Escrito por MARCO NEVES
Estive a ver o primeiro episódio duma nova série americana: Sobrevivente Designado. Um ataque terrorista durante o discurso do Estado da União mata toda a estrutura de governo dos E.U.A. Morre o presidente, o vice-presidente, os ministros e todos os congressistas. Ah, e ainda os juízes do Supremo Tribunal, para não se ficarem a rir.
Todos, não: há sempre um ministro que se mantém escondido para que os E.U.A. não fiquem sem governo em caso de ataque (e é mesmo verdade: esse sobrevivente designado existe na vida real).
Ora, mas nada disto interessa. Aliás, interessa, mas vejam antes a série, que umpost num blogue não é substituto para tal prazer.
O que me traz aqui é outra coisa: a certa altura, o tal sobrevivente designado, entretanto alçado a presidente, recebe um telefonema de condolências do «prime-minister», que todos percebemos ser o chefe de governo do Reino Unido.
O tradutor fez uma coisa engraçada: traduziu por «primeira-ministra». Nada a apontar, claro. Afinal, hoje temos mesmo uma primeira-ministra em Londres — mas imagino que, tivesse a série sido lançada em Maio, a tradução teria sido «primeiro-ministro».
Isto é apenas para vos apontar um aspecto pouco conhecido do trabalho de tradução: às vezes, temos de definir algo que, no original, é ambíguo — e tudo por causa da maneira como cada língua funciona. Há certas ambiguidades que o tradutor tem de resolver — e por isso a tradução implica quase sempre fazer escolhas. Estas escolhas podem ser discutíveis, claro está — mas não há tradutor que lhes possa escapar.
Lembrei-me agora doutro caso em que o tradutor tem de escolher o sexo do primeiro-ministro britânico. Num dos livros de Ian McEwan — The Child in Time — há uma personagem chamada «prime-minister».
O livro foi publicado nos anos 80, mas passava-se num futuro pouco distante (se bem me lembro, no final dos anos 90). O sexo do primeiro-ministro era importante: será que nesse futuro Margaret Thatcher ainda seria a primeira-ministra? De certa maneira, a leitura mais ou menos política da obra dependia desse pormenor — mas Ian McEwan nunca dá a resposta. Já a tradutora portuguesa teve mesmo de fazer a sua escolha…
[Fonte: www.certaspalavras.net]
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