Escritor gaúcho lança ‘O ano em que vivi de literatura’, ambientado no Rio
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O escritor gaúcho Paulo Scott |
Por MARIANA FILGUEIRAS
Um sujeito embarca no metrô de
Botafogo. Num daqueles modelos novos, comprados na China, com vagões que ficam
todos conectados, sem divisão interna. "A sensação era a de estar no
interior de uma centopeia oca gigante, e não tinha como, estando no primeiro vagão,
não ficar olhando na direção dos outros vagões sequentes, procurando a outra
extremidade, observando o movimento daquele corredor dançando na medida das
sinuosidades do túnel", descreve o narrador de "O ano em que vivi de
literatura" (editora Foz), novo romance de Paulo Scott.
É mais ou menos como o leitor se sente ao atravessar o livro,
com lançamento nesta segunda-feira: como quem entra num metrô vazio, buscando a
outra ponta do vagão, enquanto tenta se equilibrar nas suas curvas. "O ano
em que vivi de literatura" conta a história de Graciliano, jovem escritor,
que ganha o maior prêmio literário do Brasil e passa um ano tentando preencher
o vazio da sua vida com excessos - ironicamente, sem escrever uma linha sequer.
Um ano depois de publicar o livro de poemas "Mesmo sem dinheiro comprei um
esqueite novo" (Companhia das Letras), que veio na sequência de
"Ithaca Road" (2013), e do premiado "Habitante irreal"
(2011), é a primeira vez que Scott enfrenta um protagonista masculino, e a
primeira vez em que usa o narrador em primeira pessoa.
É um romance sobre a solidão. É a história de um cara
observando de algum lugar do futuro o seu comportamento num ano em que ele
buscou a liberdade, mas acabou caindo numa caixa de solidão, que, naquele
imediatismo, ele supôs ser uma liberdade — comenta Scott, em sua casa, no
Humaitá, bairro que escolheu para ser personagem da trama. — É um livro
satírico, sem ser engraçadinho, não é ingênuo, só é obsessivo. O Graciliano é
bonito, sortudo e patético. Não só pela condição do homem alfa dominador, mas
pela própria condição do homem em si, tentando driblar a solidão a qualquer
custo.
Apesar de também ter largado
uma vida segura em Porto Alegre para viver de literatura no Rio, Scott adverte:
Esse personagem não sou eu. É
ficção pura. Sei que as pessoas vão se frustrar esperando que eu revele como é
a minha vida, mas não é nada disso. Não é autoficção, não escrevi para me
vingar de ex-mulher. Também não escrevi por ranço de não ser reconhecido, até
pelo contrário, estou em grandes editoras e fui finalista de bons prêmios, não
é por nada disso. Esse livro não é ingênuo. Por isso, não me interessa a prosa
poética. É um livro seco. Não quero seguir o trilho do bom-mocismo da
literatura brasileira, que, no geral, anda muito careta — ataca Scott, pouco
otimista. —A literatura se esgotou, a ponto de os autores estarem usando o
Facebook para alcançar seus leitores. Acho que as redes sociais são o fim de um
ciclo da literatura. A literatura está sendo praticada nessas caixinhas de solidão.
As "caixinhas de
solidão" exercem tensão em toda trama. O romance, aliás, é um catálogo de
referências de um mundo, e de um Rio, bastante contemporâneos: há personagens
que brigam por Los Hermanos; frequentam "brownierias"; "atacam
de DJ"; criticam o Porto Maravilha; usam expressões como "pagou
medinho" e passam as tardes na Cobal do Humaitá.
É uma declaração de amor ao
Rio. Eu escolhi estar aqui, nessa cidade assustadora, como um observador
fantasma. Essa intimidade com o Rio eu empresto ao Graciliano. Eu tenho uma
neutralidade aqui que não tenho em Porto Alegre. Isso é fascinante. No contexto
maravilhoso do Rio, até o fato de ter escolhido o Humaitá tem a ver com isso.
Por ser passagem, para um exilado fantasma, como eu, que não domina os códigos,
é a casa perfeita. A subjetividade aqui varia de bairro para bairro. É tudo
lindo, mas tem um "chegar no sapatinho" muito misterioso. Ao mesmo
tempo, aqui você bota o pé na rua e já é legal - comenta Scott, que na outra
ponta do vagão vazio prepara o romance "Marrom e amarelo", para 2017.
Serviço:
“O ano em que vivi de literatura”
Autor: Paulo
Scott
Editora: Foz
Quanto: R$ 31,50
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