quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Novo romance de Paulo Scott expressa a solidão carioca

Escritor gaúcho lança ‘O ano em que vivi de literatura’, ambientado no Rio

O escritor gaúcho Paulo Scott
Por MARIANA FILGUEIRAS 

Um sujeito embarca no metrô de Botafogo. Num daqueles modelos novos, comprados na China, com vagões que ficam todos conectados, sem divisão interna. "A sensação era a de estar no interior de uma centopeia oca gigante, e não tinha como, estando no primeiro vagão, não ficar olhando na direção dos outros vagões sequentes, procurando a outra extremidade, observando o movimento daquele corredor dançando na medida das sinuosidades do túnel", descreve o narrador de "O ano em que vivi de literatura" (editora Foz), novo romance de Paulo Scott.

É mais ou menos como o leitor se sente ao atravessar o livro, com lançamento nesta segunda-feira: como quem entra num metrô vazio, buscando a outra ponta do vagão, enquanto tenta se equilibrar nas suas curvas. "O ano em que vivi de literatura" conta a história de Graciliano, jovem escritor, que ganha o maior prêmio literário do Brasil e passa um ano tentando preencher o vazio da sua vida com excessos - ironicamente, sem escrever uma linha sequer. Um ano depois de publicar o livro de poemas "Mesmo sem dinheiro comprei um esqueite novo" (Companhia das Letras), que veio na sequência de "Ithaca Road" (2013), e do premiado "Habitante irreal" (2011), é a primeira vez que Scott enfrenta um protagonista masculino, e a primeira vez em que usa o narrador em primeira pessoa.

É um romance sobre a solidão. É a história de um cara observando de algum lugar do futuro o seu comportamento num ano em que ele buscou a liberdade, mas acabou caindo numa caixa de solidão, que, naquele imediatismo, ele supôs ser uma liberdade — comenta Scott, em sua casa, no Humaitá, bairro que escolheu para ser personagem da trama. — É um livro satírico, sem ser engraçadinho, não é ingênuo, só é obsessivo. O Graciliano é bonito, sortudo e patético. Não só pela condição do homem alfa dominador, mas pela própria condição do homem em si, tentando driblar a solidão a qualquer custo.

Apesar de também ter largado uma vida segura em Porto Alegre para viver de literatura no Rio, Scott adverte:

Esse personagem não sou eu. É ficção pura. Sei que as pessoas vão se frustrar esperando que eu revele como é a minha vida, mas não é nada disso. Não é autoficção, não escrevi para me vingar de ex-mulher. Também não escrevi por ranço de não ser reconhecido, até pelo contrário, estou em grandes editoras e fui finalista de bons prêmios, não é por nada disso. Esse livro não é ingênuo. Por isso, não me interessa a prosa poética. É um livro seco. Não quero seguir o trilho do bom-mocismo da literatura brasileira, que, no geral, anda muito careta — ataca Scott, pouco otimista. —A literatura se esgotou, a ponto de os autores estarem usando o Facebook para alcançar seus leitores. Acho que as redes sociais são o fim de um ciclo da literatura. A literatura está sendo praticada nessas caixinhas de solidão.

As "caixinhas de solidão" exercem tensão em toda trama. O romance, aliás, é um catálogo de referências de um mundo, e de um Rio, bastante contemporâneos: há personagens que brigam por Los Hermanos; frequentam "brownierias"; "atacam de DJ"; criticam o Porto Maravilha; usam expressões como "pagou medinho" e passam as tardes na Cobal do Humaitá.

É uma declaração de amor ao Rio. Eu escolhi estar aqui, nessa cidade assustadora, como um observador fantasma. Essa intimidade com o Rio eu empresto ao Graciliano. Eu tenho uma neutralidade aqui que não tenho em Porto Alegre. Isso é fascinante. No contexto maravilhoso do Rio, até o fato de ter escolhido o Humaitá tem a ver com isso. Por ser passagem, para um exilado fantasma, como eu, que não domina os códigos, é a casa perfeita. A subjetividade aqui varia de bairro para bairro. É tudo lindo, mas tem um "chegar no sapatinho" muito misterioso. Ao mesmo tempo, aqui você bota o pé na rua e já é legal - comenta Scott, que na outra ponta do vagão vazio prepara o romance "Marrom e amarelo", para 2017.

Serviço:
“O ano em que vivi de literatura”
Autor: Paulo Scott
Editora: Foz
Quanto: R$ 31,50


[Fonte: www.oglobo.globo.com]

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