Cara Ângela
Estarás por cá no dia 12 de Novembro e já há uma grande efervescência e muitas manifestações em curso. Decerto, nem darás por isso, com todos os cordões policiais que se formarão à tua volta. É o costume. Até acredito que gostasses que fosse diferente.
Estarás por cá no dia 12 de Novembro e já há uma grande efervescência e muitas manifestações em curso. Decerto, nem darás por isso, com todos os cordões policiais que se formarão à tua volta. É o costume. Até acredito que gostasses que fosse diferente.
Há alguns dias, numa reunião, perguntaram-me como te deveríamos receber. Respondi que a melhor forma de te receber era oferecer-te um exemplar d‘ Os Lusíadas e/ou da Mensagem. Se tivesses tempo, far-te-ia até, com gosto, uma visita guiada por alguns dos nossos maiores Monumentos. Tudo isto para perceberes que Portugal, o verdadeiro Portugal, não é aquele que tem andado de joelhos pela Europa.
Não que isso te fosse impressionar muito. Se há país que ombreia com Portugal no seu património histórico-cultural é o teu. Decerto, um país que já deu ao mundo gente de um calibre como um Goethe, um Kant, um Hegel, um Nietzsche, um Wagner – apenas para referir meia dúzia de nomes – não se deixa impressionar facilmente.
Para conseguir, de facto, impressionar-te, teria que sair de Portugal, para te mostrar a nossa maior Obra. Não um qualquer Livro ou Monumento, mas, imagina, uma Comunidade de pessoas espalhadas pelos quatro cantos do mundo: do Brasil a Timor-Leste, passando por todos os países africanos de Língua Portuguesa, sem esquecer as várias diásporas... Sim, falo da Comunidade Lusófona: mais de duas centenas de milhões de pessoas irmanadas por uma mesma Língua. É essa a nossa maior Obra: a Lusofonia.
Bem sei que no teu país há quem despreze esta Obra, dizendo: “os portugueses são, em geral, gente morena e, para mais, gostam de se misturar com gente de pele ainda mais escura...“. Por cá também, acredita. Esse é, de resto, o nosso problema maior. Que muitos alemães não reconheçam e prezem a nossa maior Obra, isso não nos afecta de modo algum. Mas que muitos portugueses – inclusive da nossa classe política – persistam em ignorá-la, esse é que é nosso grande mal, a razão maior da nossa crise.
Julgo que, essa sim, é uma Obra que te causa bastante inveja: os alemães também andaram por esse mundo fora (ainda que menos), mas não deixaram a menor saudade (pelo contrário, como bem sabes). Os portugueses, ao invés, deixaram um outro legado, bem diferente. Não que a nossa colonização não tenha sido violenta – não há colonizações não violentas. Mas ela foi suficientemente diferente para, apesar de todas as feridas, ter gerado uma fraternidade que não tem paralelo – nas colonizações alemãs e europeias em geral. Pena é que muitos portugueses – sobretudo da nossa classe política, persistam em ignorá-lo, quase que desejando que assim não fosse.
Como sabes, a história dos povos é análoga à história de cada um de nós: quando uma pessoa tem uma relação complexada com o seu passado, não se pode sentir bem. Escuso de te falar do que sabes melhor do que eu: nasceste numa Alemanha dividida, ainda em consequência do desastre nazi. Foram precisas várias décadas para que vocês pudessem superar esse trauma. Mesmo que, numa espécie de antissemitismo às avessas, muitos persistam, ainda hoje, em falar sobre “a culpa alemã”. Como se pudessem existem penas perpétuas sobre alguns povos.
Também em Portugal há quem persista em pensar assim: a Alemanha tem que continuar a pagar a sua “dívida”, financiando toda a restante Europa. Agora – clamam – a Alemanha ousa defender os seus interesses nacionais, insinuando que isso significa ter uma posição “nacionalista”. Não sei se terás tempo para o verificar – na tua curta passagem por cá –, mas essa é uma das muitas originalidades portuguesas: considerar que quem defende os seus interesses nacionais está a ser “nacionalista”. Por isso, de resto, coerentemente, durante todo o processo de integração europeia, abdicámos de defender os nossos interesses nacionais. Não fosse alguém insinuar que estávamos a ser “nacionalistas”.
Esse foi o nosso maior erro, a par daquele que já aqui referi: termos voltado as costas ao Mar e a todo o Espaço Lusófono. Agora, decerto, é mais fácil arranjar um “bode expiatório”: e a Alemanha, como sabes, cumpre bem esse papel. Não te cabe dizê-lo – nós sabemo-lo bem: a culpa do estado a que Portugal chegou é sobretudo nossa. Fomos nós – não os alemães – que elegemos, eleição após eleição, todos os Governos que nos têm desgovernado. E só nós – não os alemães – poderemos mudar esse estado de coisas, elegendo uma classe política que, desde logo, honre o nosso património histórico-cultural, alicerçando nele o nosso futuro, e que, já agora, nas negociações europeias, não tenha complexos em defender os nossos interesses nacionais.
É certo que nos daria jeito que baixasses os juros que estamos a pagar pela nossa dívida – completamente usurários, como até tu reconhecerás. Mas não nos iludamos também nesse ponto: mesmo não pagando juros, jamais conseguiremos pagar a nossa dívida. O euro sempre foi uma moeda desajustada à nossa economia e todos sabemos como esta história irá acabar, mais cedo ou mais tarde: com a saída de Portugal do euro e por um nosso realinhamento estratégico, no plano económico e político. Bem sei que, por enquanto, não convém falar muito disso, para, como se costuma dizer por cá, “não assustar ainda mais os mercados”, mas ambos sabemos que isso acontecerá. Quando cá estiveres, dirás decerto o contrário, como fizeste na Grécia. Bem sei que os políticos têm que por vezes contar essas mentiras piedosas (têm isso em comum com os padres). Mas, por piedade, não abuses demais da mentira. É só o que nós te pedimos.
Mit freundlichen Grüßen
Renato Epifânio
[Fonte: mil-hafre.blogspot.pt]
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