Agora são os jovens estrangeiros que enxergam o Brasil como uma potência de oportunidades e veem no português uma sacada no currículo
A espanhola Beatriz Puyol, 27 |
O mexicano Marcilio Maclean, 21, chegou há cerca de um mês a São Paulo. O norte-americano Gaetano Iaccarino, 22, ficará na cidade por um ano. Já a espanhola Beatriz Puyol, 21, está quase no fim de sua estada de dois meses.
Todos têm um propósito: vieram aprender português.
Os três jovens são donos de um discurso parecido. Acreditam que saber o idioma se tornou um diferencial profissional para o futuro e, por isso, escolheram São Paulo para um intercâmbio.
Para eles (e para muitos), o Brasil se tornou o país do presente -as permissões temporárias de trabalho dadas a estrangeiros aumentaram 65%, entre 2009 e 2011. No mesmo período, a emissão de vistos de estudantes cresceu 34% e a entrada de turistas no país subiu 33%.
O reflexo disso pode ser conferido nas salas de aula. Dez dos principais cursos e professores de português de São Paulo são unânimes em dizer: a procura por aulas do idioma disparou.
Na Espanha Aquí, aberta por um espanhol para atuar principalmente em multinacionais de seu país com sede no Brasil, os 400 estudantes atuais representam um aumento de 87% em relação ao ano passado (eram 215).
Na Berlitz já houve, neste semestre, 70% da quantidade de aulas de todo o ano passado (20 mil). Na Alumni, o número passou de 15 alunos mensais para 40.
A Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) registrou um aumento de 110% no número de intercambistas estrangeiros entre os primeiros semestres de 2009 (123) e de 2012 (260) nos cursos de graduação. A maioria precisa fazer aulas extracurriculares de português, idioma das aulas.
Já a USP, que dá aulas para universitários estrangeiros, diz que a cada semestre tem que incluir mais opções de horários na grade.
VAI DAR SAMBA
A maior parte dos estrangeiros que procura aulas de português ainda é composta por trabalhadores de empresas multinacionais, como o coreano Ryan Ahn, 35.
Funcionário da área de marketing de uma grande empresa coreana, Ahn descobriu o Brasil por meio da língua portuguesa.
"Antes [das aulas], não sabia sobre o país", diz ele, que veio a São Paulo estudar por um ano com um grupo de 16 colegas da empresa.
Mas um outro tipo de estudante começa a se destacar nas salas: os jovens, especialmente norte-americanos e europeus, que querem fugir das crises em seus países e veem o Brasil como uma terra de oportunidades.
"Meu sonho é ter uma empresa de organizações de eventos", diz a espanhola Beatriz, que faz um "intensivão" de português na PUC-SP.
"Volto a Madri no mês que vem para terminar a universidade, mas o Brasil está nos meus planos futuros de trabalho", empolga-se.
"Meus amigos disseram: 'Ah, você vai fazer samba em (sic) Brasil'?", brinca o norte-americano Iaccarino.
"O país tem muito mais do que isso. Faz parte dos Brics", diz, referindo-se ao grupo de nações em desenvolvimento composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. "Tem, tem... Opportunities", conta, enquanto estala os dedos à procura da palavra "oportunidades".
Por MARÍA MARTÍN e TALITA BEDINELLI
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Para aprender português, 'gringo' leva até 18 meses
Orientais enfrentam mais dificuldades
As dificuldades no aprendizado são muitas. Segundo professores de português consultados pela Folha, um estrangeiro de língua espanhola leva ao menos seis meses para começar a se comunicar plenamente em português. Entre os falantes do inglês, o tempo sobe para um ano; entre os de origem oriental, para um ano e meio."Cari... Cari...Carinhososo?", pergunta o canadense Sam Dolmaya, 41, à reportagem. "Não consigo pronunciar esse [sic] palavra", resigna-se o gerente de logística de uma multinacional em um sotaque arrastado.
Esse tempo não é garantia de que a comunicação se dê sem tropeços.
Há dois anos no Brasil, desde então tendo aulas de português três vezes por semana, Dolmaya ainda pede ao assistente que traduza os e-mails de trabalho que envia. "Não é só uma questão de passar do inglês para o português, mas de escrever com o jeitinho certo", explica.
O canadense perdeu uma reunião por uma confusão de interpretação. O cliente havia dito: "Te encontro lá no escritório". Ele entendeu que o "lá" se referia ao escritório do interlocutor. O cliente acabou na sala de Dolmaya. E Dolmaya, na do cliente.
Mesmo entre os gringos das classes com níveis mais avançadas, ainda é comum ouvir um "minha amigo" ou "mao" (sem o som nasal marcado pelo til). "O português é muito nasal. Palavras como 'vão', 'mão' ou 'cão' são de pronúncia difícil para o estrangeiro", explica Graça Paiva, coordenadora do curso de português do Cel-Lep.
A dificuldade na pronúncia costuma ser pior para os falantes do espanhol, devido à proximidade das duas línguas. "Nunca sei se estou falando português ou espanhol", brinca o mexicano Marcilio Maclean, 21.
"Além disso, quase tudo no português tem masculino e feminino, plural e singular. E os verbos irregulares, como 'ser' e 'estar' são de uso muito frequente", conta Graça.
"Quando passamos a dar aulas para estrangeiros, percebemos detalhes que não percebíamos na nossa língua", diz a professora de português Maria Teresa Bianco, que dá aula para executivos de grandes empresas. Certa vez, um aluno a questionou: "O que vocês fariam sem o verbo ficar?". "Como falante nativa, jamais tinha percebido o uso exagerado da palavra." No dicionário Houaiss, "ficar" tem 28 acepções.
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Fachada atraente do país encobre qualificação fraca dos brasileiros
O ser humano é como as massas de ar: move-se para onde a pressão é menor.
No momento, esse lugar é o Brasil para quem procura trabalho, principalmente para os jovens europeus.
Lá, a crise fez secarem os empregos. De cada 4 espanhóis economicamente ativos, 1 está sem sucesso à procura de vagas; entre os jovens, é pior: 50% fracassam.
Perto disso, o mercado brasileiro parece o paraíso. A taxa de desemprego é 5,4%: apenas 1 em cada 18 cidadãos ativos não acha ocupação.
É para comemorar?
Melhor olhar primeiro o outro lado da moeda.
Para começar, a economia brasileira só parece mais bonita porque os termos de comparação são horrendos. Na melhor das hipóteses, dizem analistas, nossa riqueza vai crescer só 2% neste ano.
A indústria patina, e um dos motivos é justamente o desemprego baixo: sobem os salários, aumentam os custos, e os preços não podem acompanhar: se o produto nacional ficasse mais caro, acabaria trocado por um importado mais barato.
Por fim, o lado mais perverso da aparente bonança: falta mão de obra qualificada. É esse um dos motivos pelos quais a criação de novas vagas vem esfriando. É também por isso que jovens estrangeiros mais escolarizados veem perspectivas por aqui.
O consolo é que a doença tem cura, desde que os governos se apressem. O Brasil atravessa o chamado bônus demográfico: mais adultos em idade produtiva que idosos e crianças. O número de estudantes vai cair, o que permite investir mais por aluno e melhorar de vez a educação básica e o ensino técnico.
Essa janela se fecha daqui a mais ou menos dez anos.
Se o Brasil não levar o caso a sério agora, o resultado será aprofundar o ciclo infeliz: menos gente qualificada, menos produtividade, mais custo, menos crescimento.
Por ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
[Foto: Fabio Braga/Folhapress - fonte: www.folha.com.br]
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