Reações de torcedores do Brasil durante semifinal contra a Alemanha na Copa do Mundo de 2014
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Escrito por Sérgio Rodrigues
Fundo do poço. Beco sem saída. Beira
do abismo. Atoleiro. Hospício. Raposas no galinheiro. Vacas no brejo. Fim da
picada. Nau sem rumo. Queda livre. Queda em parafuso. Trem descarrilado. Fim do
mundo. 7 a 1.
Duvido
que a história do Brasil registre outro momento em que as metáforas
catastróficas tenham sido mais requisitadas do que hoje a dar conta de uma
realidade indigesta.
Não
vou dizer que estamos exagerando. Se o catastrofismo tende a ofuscar
possibilidades de solução que de uma forma ou de outra precisam ser
encontradas, seu valor de desafogo emocional é evidente.
O
fim do mundo nunca é o fim do mundo, garanto –mesmo porque, no dia em que for,
quero ver alguém me cobrar pelo erro dessa frase. No entanto, a catarse de
apregoá-lo nas ruas como o louco do megafone pode ser o fim de um nó no peito,
de uma dor sem nome, e isso não é pouco.
Experiências
recentes com voluntários mostraram que, ao gritar palavrões, as pessoas
suportam a dor por intervalos consideravelmente mais longos do que ficando em
silêncio. Tudo indica que metáforas do fim do mundo têm poder anestésico
semelhante.
O
único problema que vejo em nossa atual revoada de expressões apocalípticas é o
risco de gastá-las pelo excesso de uso. Reparando bem, vamos constatar que
quase todas naquela lista do primeiro parágrafo já morreram, viraram clichês,
tiques verbais.
É
isso que ocorre com metáforas que fazem sucesso demais e entram na corrente
principal da língua: o que havia nelas de mais sugestivo desbota,
automatiza-se. Suponho que um dia "fundo do poço" tenha sido uma
expressão espirituosa, mas hoje é banal.
O
processo de transformação de uma metáfora viva em clichê é conhecido e
inevitável, mas prejudicial à eficácia terapêutica de espinafrar a realidade a
fim de melhor suportá-la.
Da
lista ali de cima, só o 7 a 1 conserva seu frescor. Catástrofe recente e mal
digerida, trauma tragicômico que até hoje não submetemos ao luto para ensaiar
uma superação, a goleada humilhante sofrida em casa é nossa metáfora mais viva
de fundo do poço, queda em parafuso, fim da picada.
Tem
a vantagem adicional de aderir com perfeição ao contexto de um país fissurado
em futebol. Essa adequação é uma marca das melhores e mais surpreendentes
metáforas literárias.
Ao
tratar da rainha das figuras de linguagem em seu livro "Como Funciona a
Ficção", o crítico inglês James Wood elogia um símile do escritor italiano
Cesare Pavese no romance "A Lua e as Fogueiras", ambientado numa
aldeia pobre e atrasada de seu país: lua amarela "como polenta". Pouco
romântico? Era o que os personagens comiam em toda refeição.
Embora
seja possível que algum dia o 7 a 1 também vire uma metáfora morta, esse dia
não está no horizonte. Melhor aproveitar.
Boa
notícia. O leitor Adilson Roberto Gonçalves avisa que a mais recente edição do
"Pequeno Dicionário Houaiss", destinada ao público escolar e lançada
em 2016, já trata "poeta" como substantivo de dois gêneros. O
"Houaiss" propriamente dito, atualizado pela última vez em 2009,
ainda não chegou lá, como apontei na semana passada. Mas parece ser questão de
tempo.
[Fonte: www.folha.com.br]
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