terça-feira, 8 de agosto de 2017

ONGs no Mediterrâneo se recusam a assinar código italiano para resgate de migrantes

Cinco das oito instituições que atuam no resgate a migrantes no mar sofrerão checagens mais rigorosas nos portos italianos por não aderirem às novas normas
Operação de resgate conduzida por MSF a bordo do barco Aquarius.


Escrito por Victória Brotto*
De Estrasburgo (França)

Cinco das oito organizações humanitárias que atuam no mar Mediterrâneo se recusaram hoje a assinar o Código de Conduta do governo italiano para operações de resgate a migrantes. A informação foi divulgada no fim da tarde desta segunda-feira (31/07) pelo Ministério do Interior da Itália. O ministro do Interior italiano, Marco Minitti, falou em “consequências concretas” em resposta às instituições que não assinaram o código.
Segundo fonte do ministério italiano ouvida pela agência de notícias Reuters,  as ONGs que não assinaram sofrerão checagens mais severas das autoridades. Isso contradiz o que o ministro Minniti havia dito ao enviar o código à Comissão Europeia na última semana; segundo ele, as ONGs discordantes não poderiam mais desembarcar migrantes na costa da Itália.
Para a Médicos Sem Fronteiras (MSF), uma das ONGs que se recusaram a aderir ao documento,  a assinatura seria concordar com “interesses políticos da União Europeia (UE)”. “E isso é algo que a MSF não é capaz de aceitar”, afirmou a entidade.
Só neste ano foram cerca de 88 mil migrantes a desembarcar em território italiano fugindo de guerras, fomes e perseguição no norte da África e Oriente Médio. De acordo com a guarda costeira italiana, mais de um terço desses migrantes foram resgatados pelas operações das organizações humanitárias.
Quem assinou e quem repudiou o código
As ONGs que se recusaram a assinar o código de conduta foram: Médicos Sem Fronteiras (MSF), as alemãs Sea Watch, Sea-Eye e Jugend Rettet, e a francesa SOS Méditerranée. As que aceitaram os termos do governo italiano foram a Save The Children, The Malta-based Migrant Offshore Aid Station (MOAS) e a ONG espanhola Proactiva Open Arms.
Protegidas pela Lei Internacional dos Direitos Humanos, as ONGs podem recusar-se a tomar parte em qualquer pacto ou ação que fira os seus princípios de conduta como humanidade, imparcialidade, neutralidade ou independência. As cinco ONGs discordantes afirmaram que o código fere os seus princípios de independência, neutralidade e imparcialidade.
As que aceitaram ratificaram que irão monitorar ainda mais suas ações para que as novas regras não comprometam a eficiência das operações. “Nós não teríamos assinado se soubéssemos que qualquer virgula do código pudesse prejudicar as nossas atividades”, afirmou  o diretor da Save The Children, Valerio Neri.
“Regras políticas”
O código estabelece dez novas normas para as ONGs em suas operações de resgate de migrantes nos botes vindos, majoritariamente, do Norte da África.  Entre elas, desembarque direto de migrantes resgatados em terra seca – impedindo a transferência deles para outros barcos -, presença da política judiciária italiana em navios de resgate e retirada das luzes de localização das embarcações das ONGs humanitárias.
A MSF – que resgatou 16 mil dos 88 mil migrantes nos botes neste ano – opôs-se veementemente à não transferência de migrantes. Isso, segundo a ONG, aumentaria o número de pessoas afogadas porque menos barcos estariam em alto-mar para resgatar a tempo aqueles que se estão afogando. “Uma redução no número de embarcações de resgate enfraqueceria uma já insuficiente capacidade de busca e resgate, resultando num aumento de afogamentos em massa”, afirmou  a ONG em nota divulgada mundialmente no fim da tarde de segunda. “Atrasos em operações de resgate podem ser a diferença entre a vida e a morte”.
A Médicos Sem Fronteiras também afirmou que a presença de oficiais italianos armados nos barcos fere os princípios humanitários da ONG. “Isso submeteria as organizações aos interesses políticos dos Estados-membros da União Europeia e não é algo que MSF é capaz de aceitar, pois impactaria no acesso a populações em perigo em todo o mundo, assim como a segurança de suas equipes”, afirma a nota.
As ONGs alemãs Jugend Rettet e Sea Watch, que também não assinaram o documento, pediram mais clareza nas novas normas. “Para nós o ponto mais controverso é de ter policiais armados a bordo investigando um cenário de assistência humanitária”, afirmou o coordenador da Jugend Rettet, Titus Molkenbur. “Isso fere os princípios de neutralidade que nós temos e que nos impedem de tomar parte em qualquer conflito de interesses”.
Histórico
Descontente com a falta de suporte da União Europeia na questão migratória, principalmente nos seus portos, o ministro do Interior italiano ameaçou fechar completamente os portos do país para migrantes em botes. Após a fala – proferida em reunião das Nações Unidas em Bruxelas, no final de junho, a Itália se reuniu em Paris com ministros da França e Alemanha e propôs o Código de Resgate no Mar Mediterrâneo. Ao final do encontro, os ministros Gérard Collomb, da França, e Thomas Maizère, da Alemanha, sinalizaram positivamente à proposta italiana de elaborar um “código de conduta” para o mar Mediterrâneo.
No dia 13, o governo italiano apresentou formalmente à UE o código, que teve aprovação da Comissão Europeia. Na semana passada, o documento foi enviado às ONGs, mas sob severas críticas de instituições como The Human Rights Watch e Anistia Internacional, que o chamou de “documento perverso que custará milhares de vidas”.
“Perversamente, o código de conduta proposto pela Itália para as ONGs que salvam vidas no Mediterrâneo coloca vidas em risco. Ele restringe as operações de busca e o resgate das ONGs, e coloca milhares de vidas em risco quando impede os botes de acessarem as águas próximas à Líbia”, afirmou Iverna McGowan, a diretora do escritório europeu da Anistia Internacional em comunicado à imprensa na época.
* com informações da Reuters

[Foto: Kevin McElvaney/dez.2016 - fonte: www.migramundo.com]

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