Estava na
"capa" do UOL anteontem: "Eu é que decido". De acordo com o
site, a frase foi dita pelo nobilíssimo deputado Eduardo Cunha, ao se referir
aos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff.
A construção
"Eu é..." incomoda muita gente. O fato é que esse "eu" não
faz par com "é"; faz par com "decido", forma verbal da qual
é sujeito. O "é" integra a expressão expletiva (de realce) "é
que", invariável: "Eu é que sei quanto me custa aceitar isso";
"Os professores é que devem ir atrás da resposta".
O caro
leitor deve conhecer a canção "Só Nós Dois", imortalizada pelo
querido e saudoso Nélson Gonçalves ("Só nós dois é que sabemos o quanto
nos queremos bem"). Temos aí um exemplo da expressão de realce "é
que". Note que é possível retirar a expressão, o que não prejudica a
estrutura sintática, mas obviamente altera o tom que se dá à declaração
("Só nós dois sabemos o quanto nos queremos bem").
Nos exemplos
dados, essa expressão ocorreu entre o sujeito e o verbo. Há outro uso dessa
forma, como se vê nestes casos: "É nessas horas que se vê quem realmente
está do nosso lado"; "É nas regiões pobres que ficam mais evidentes a
incompetência e a falência do Estado"; "É por essas causas que se
deve lutar".
Nos últimos
exemplos, a supressão da expressão "é que" empobreceria muito o tom
das declarações. Veja como ficariam: "Nessas horas se vê quem realmente
está do nosso lado"; "Nas regiões pobres ficam mais evidentes a
incompetência e a falência do Estado"; "Por essas causas se deve
lutar". Percebeu?
Na língua
oral, há uma tendência para a flexão no plural da forma do verbo
"ser" que inicia os últimos exemplos citados ("São nessas horas
que se vê quem realmente..."). No padrão formal da língua, a construção
dominante é a que citei antes ("É nessas horas que se vê...").
Voltando ao
caso inicial ("Eu é que decido"), é preciso tomar cuidado para não
meter os pés pelas mãos. Como já vimos, nesse tipo de construção a expressão
"é que" é fixa, invariável, e vem entre o sujeito e o verbo. Se o
verbo "ser" for para a esquerda, ou seja, para antes do pronome
("eu", "nós", "eles") ou do substantivo ("os
professores", num dos exemplos vistos), a coisa muda de figura. Nesse
caso, o verbo "ser" concorda com o pronome ou com o substantivo:
"Somos nós que sabemos o quanto nos queremos bem"; "Sou eu que
sei quanto me custa aceitar isso"; "São os professores que devem ir
atrás da resposta".
A observação
feita a respeito da flexão do verbo "ser" vale para qualquer tempo
verbal: "Fui eu que resolvi esse problema"; "Fomos nós que
fizemos o trabalho"; "Foram aqueles policiais que mataram o
pedreiro". Na língua oral, quando o verbo "ser" é flexionado no
pretérito perfeito, há uma forte tendência para a universalização do
"foi" ("Não foi/Foi eu que..."; "Foi eles
que..."; "Não foi nós que...").
É sempre bom
lembrar que, mesmo quando está explícito algo como "O culpado",
"O responsável" etc., o verbo "ser" acaba concordando com o
pronome pessoal ou com o substantivo que designa um ser humano: "Fui eu o
responsável" (ou "O responsável fui eu"); "Foram aqueles
policiais que mataram o pedreiro"; "Fomos nós os culpados" (ou
"Os culpados fomos nós").
Voltando aos
poderes de Cunha, ele é que decide, é ele que decide etc. Então tá. Se de fato
ele (ainda) crê nisso, deve ou deveria apressar-se. Até membros do alto clero
das igrejas que seguem (seguiam?) e apoiam (apoiavam?) Cunha já estão pregando
às claras a renúncia dele. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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