O caro
leitor certamente sabe que volta e meia se fazem pesquisas sobre a capacidade
de leitura do brasileiro. O resultado não é dos melhores. As diversas pesquisas
parecem convergir para algo semelhante a isto: uma em cada quatro pessoas
letradas é capaz de compreender textos de complexidade média.
Relato uma
situação que eu mesmo vivi no autoatendimento de um banco. Em apenas um dos
equipamentos disponíveis havia uma tabuleta em que se liam estas quatro
palavras: "Depósitos somente neste equipamento". Entrei ali para
verificar o saldo da minha conta e, já empunhando o cartão, fui direto para o
tal equipamento. Gentis, solidárias, algumas das pessoas que estavam na fila
dos outros equipamentos me alertaram: "Esse equipamento só faz
depósitos". Devem ter visto que eu não carregava nenhum envelope e
quiseram "ajudar-me".
Parece claro
que essas pessoas leram mal a advertência posta pelo banco, ou seja, entenderam
por "Depósitos somente neste equipamento" o que se entende por
"Neste equipamento somente depósitos".
A
advertência deixava claro que só aquele equipamento poderia receber depósitos,
o que não significava que aquele equipamento não pudesse fazer outras
operações.
E onde
entram na história os banheiros dos aviões? Vamos lá. O que quase sempre se vê
neles depois de algum tempo de voo? O caos... Papéis pelo chão, a pia cheia de
água e outras coisas que é melhor não citar. Sei que muita gente só puxa a
descarga em casa –e olhe lá–, mas a causa mais provável desse
"desleixo" é a incapacidade de leitura e/ou de adaptação a realidades
operacionais diferentes das "normais".
Não faltam
nos banheiros dos aviões avisos sobre a descarga, o depósito de papéis, o modo
de esvaziar a pia etc., mas... Mas isso nem sempre está à vista ou em letras
grandes, quase sempre reservadas ao inglês (o aviso em português quase sempre é
dado em letras menores, embaixo do que vem em inglês).
Aí entra em
cena o segundo e triste capítulo da história: as pessoas que não conseguem
resolver esses problemas não se esforçam; conformam-se e/ou julgam que alguém é
capaz de construir um avião em que não é possível dar descarga ou jogar os
papéis no lixo. Veem o mundo com a mesma limitação que têm.
Convém citar
outro ponto: já cansei de "tentar" entrar no banheiro e ser barrado
com um empurrão na porta dado por quem está dentro do banheiro. E porque
"tento" entrar? Porque vejo a luz verde, a "janelinha" que
há na porta com a inscrição "livre", também em verde... As pessoas
entram e não acham uma fechadura "normal" e simplesmente devem achar
que em avião a coisa é assim mesmo. Eta engenheirada burra essa que projeta
aviões!
Aí parece
inevitável associar toda essa incapacidade de compreensão, de leitura e/ou de
resolução de problemas "inéditos" com outros fatos, como o da
compreensão de certas situações do infame cotidiano brasileiro. Imbecis que
defendem a violência policial, por exemplo, com argumentos extremamente
"científicos" ("Se estava ali, boa coisa não era",
"Vai saber o que ele fez" e outras pérolas) provavelmente não
resistem a uma avaliação mínima da capacidade de leitura. Qualquer semelhança
com as faixas que se viram nas últimas manifestações não é mera coincidência
("Pais sem corrupção é pais onde rico manda, pois quem é rico não precisa
roubar"). O autor da "frase" precisa melhorar não só a alma, o
espírito, mas também o domínio das regras de acentuação da nossa língua. É
isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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