No último domingo, a Fuvest incluiu em sua prova de
português um trecho de um texto de Juca Kfouri, cujo (inter)título era
"Para para". Eis o trecho: "Numa de suas recentes críticas
internas, a ombudsman desta Folha propôs uma campanha para devolver o acento
que a reforma ortográfica roubou do verbo 'parar'. Faz todo sentido. O que não
faz nenhum sentido é ler 'São Paulo para para ver o Corinthians jogar'. Pior
ainda que ler é ter de escrever".
A crítica interna a que se refere o nosso Juca é do dia
15 de setembro de 2014 e se refere a um texto que publiquei nesta Folha no
dia anterior ("É preciso reformar, melhorar e simplificar a reforma
ortográfica"), no qual, pela enésima vez, tentei mostrar as incríveis
aberrações que há no texto do "(Des)Acordo Ortográfico", as mesmas
aberrações que expus na Comissão de Educação do Senado, em Brasília, em duas
audiências públicas (a última foi realizada em outubro de 2014). O alvo de uma
das minhas críticas foi e é justamente a eliminação do acento diferencial que
era empregado na forma verbal "para".
Posto isso, vamos voltar à questão da Fuvest, em cujo
enunciado havia dois itens. O primeiro era este: "No primeiro período do
texto, existe alguma palavra cujo emprego conota a opinião do articulista sobre
a reforma ortográfica?".
No texto de Juca, existe, sim, uma palavra que denota a
opinião dele, não propriamente sobre a reforma ortográfica, mas sobre o que a
reforma fez com o acento que se empregava na forma verbal "para".
Essa palavra é "roubou", que deixa clara a sua posição, contrária à
eliminação desse acento diferencial.
Vamos ao segundo item da questão da Fuvest: "Para
evitar o 'para para' que desagradou ao jornalista, pode-se reescrever a frase
'São Paulo para para ver o Corinthians jogar', substituindo a preposição que
nela ocorre por outra de igual valor sintático-semântico ou alterando a ordem
dos termos que a compõem. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua
resposta".
Como faz muitas vezes, a banca exigiu, "às
ocultas", o domínio da nomenclatura gramatical, tão condenado por alguns
especialistas. Explico: quando diz "substituindo a preposição que nela
existe", a banca não diz qual é a preposição, o que significa que o aluno
tem de saber que a preposição em questão é "para" (a segunda
ocorrência de "para", já que na primeira o que se tem é uma forma do
verbo "parar").
E então, caro leitor, você concorda ou não com a
afirmação? Lamento dizer que há uma imprecisão na linguagem da banca que pode
ter tirado a tranquilidade de alguns candidatos. Explico: é possível, sim,
evitar o "para para" com a substituição da preposição
"para" por "a fim de" ("São Paulo para a fim de ver o
Corinthians jogar"), mas "a fim de" não é propriamente uma
preposição, mas uma locução prepositiva.
Quanto à outra parte da pergunta, é possível, sim, evitar
o "para para" alterando a ordem dos termos que a compõem: "Para
ver o Corinthians jogar, São Paulo para".
Para fechar com chave de ouro, a banca poderia ter
explorado a ambiguidade (intencional?) que há no exemplo do corintianíssimo
Juca Kfouri: "São Paulo" é o time ou a cidade? É claro que isso é só
uma brincadeira minha, mas, como toda a parte anterior do texto de Juca se
referia ao "Majestoso" (Corinthians x São Paulo) disputado no dia
anterior e vencido pelo Timão...
E vamos continuar a nossa implacável luta pela volta do
diferencial na forma verbal "para". É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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