Por Miguel Esteves Cardoso
No carro, em Cascais, passamos por duas senhoras brasileiras a terminar uma conversa desinteressante. A concludente remata com o brasileiro "tá?" mas acrescenta o português (e, por definição, redundante) "está bem?".
A Maria João e eu há muito tempo nos incumbimos, nesta nossa terra, de uma tarefa fundamental: convencer os brasileiros e as brasileiras que, por sorte, nos calharam neste quintal, a não voltar ao país de onde vieram, que é, no mínimo, mais maravilhoso (e bem disposto) do que o nosso. Os brasileiros e brasileiras que conseguem sobreviver em Portugal, nem que sejam um pouco felizes, são verdadeiros sobreviventes.
Lembrei-me de uma entrevista, por estes dias, com John Lloyd no Spectator, no News States Men ou no Guardian ou Telegraph, em que ele, um criador depressivo de programas  de rádio e de televisão, percebeu que a boa disposição é uma virtude (algo que se consegue) e não uma condição (como ser inteligente). John Lloyd cultivou e praticou esta virtude até - apetece dizer - singrar.
A remistura do português -brasileiro e do brasileiro -português é uma exposição da elasticidade maravilhosa das nossas línguas, que nem sequer fingem ser só uma.
Os brasileiros ensinaram-nos a respeitar a língua portuguesa. Devemos respeitá-la mas considerá-la nossa (a sua e a minha), sejam quais forem os contextos e, até, as palavras.
São palavras nossas. A sorte da nossa língua é ser uma língua mais diferente do que comum. Mas comum.
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Miguel Esteves Cardoso, casado com Maria João, é escritor, jornalista e crítico
[Fonte: www.publico.pt]
 
 
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