Escrito por Eduardo Affonso
Quer ser (ou, pelo menos, parecer) fino, descolado, sofisticado, sagaz? Veio ao lugar certo, ao meu Côutchim de Finesse.
Você será tão mais fino quanto mais omisso for ao falar.
Pronto. É só isso. Acabou. Pode passar no caixa e pagar o investimento.
Gente fina não precisa explicar, usar substantivo e adjetivo (ou
substantivo e outro substantivo com função de adjetivo). Se o sujeito
diz que tomou um ótimo vinho Merlot, saiba que está diante de um
impostor. Quem entende de vinho nem fala a palavra “vinho” – diz apenas
que tomou um Merlot, um Malbec, um Syrah. Você que se vire para saber se
isso é vacina ou xarope.
Tenho recebido, por causa da pandemia, um monte de receitas, enviadas
por almas caridosas que creem que eu seja mesmo capaz de preparar algo
além de banana congelada batida no liquidificador. Sei se a receita
está à altura dos meus dotes culinários se vier explicadinha, tudo com
nome e sobrenome, que nem receita de pobre.
Se tiver “ponha açúcar mascavo”, eu considero a possibilidade de
experimentar. Falou “ponha mascavo”, já sei que não é pro meu bico.
Chegou outro dia uma que dizia “use demerara”. Como é que alguém diz
uma temeridade dessas a uma criatura que até outro dia só conhecia
açúcar pérola e açúcar cristal? “Use demerara” é coisa de hipnotizador,
de filme de agente secreto, de livro do Dan Brown.
Pobre fala para ser entendido. Rico tem a necessidade de soar enigmático.
Pobre compra moto Honda, moto Yamaha. Rico compra uma Panigali.
Você
nunca vai ouvir um rico dizendo que comprou uma moto Panigali, porque
ele precisa deixar óbvio não apenas que tem grana suficiente para uma
Panigali como que não se dignaria a dirigir a palavra a alguém que não
saiba que Panigali é uma moto. Eu mesmo não sabia, até começar a
escrever este texto e digitar no gúgol “moto mais cara”, e aparecer a
Panigali V4 R, pela bagatela de 250 mil (valores de 2019). Se eu
tivesse algum amigo rico e ele me informasse que tinha uma Panigali, eu
perguntaria se solta muito pelo e que ração ele dá para ela.
Sei que éramos pobres porque meu pai lia o jornal “O Estado de Minas”
e assinava a revista Veja. Ele nunca quis correr o risco de alguém se
enganar achando que a Veja fosse um jornal e “O Estado de Minas”, uma
revista. Por isso, era didático. Pedia, no armazém, sabão Rinso e pasta
de dente Kolynos, minimizando o risco de levar um esporro ao chegar em
casa com pasta de dente Rinso ou sabão Kolynos.
Sei que éramos pobres de verdade porque meu pai enchia a boca para
falar que lá em casa tinha uma mesinha de pedra mármore. Quer coisa
mais pobre que “pedra mármore”? Remediado falaria só “mármore”. E rico
diria “carrara”, com aquela empáfia de quem quer ver nos olhos do
interlocutor a dúvida sobre se carrara é um tipo de madeira ou o nome da
loja.
Voltando ao côutchim de finesse: omita, sempre que puder, o máximo
que der. Diga que comprou um pecorino, e deixe que que a pessoa se vire
pra saber se isso é desinfetante ou um modelo novo da Fiat.
Use balsâmico.
Basmati.
Louboutin.
Chame as coisas pela marca.
Afete intimidade.
Eu, por exemplo, acabei de tomar um Pilão Extraforte e de comer um francês fresquinho.
Sim, pode gerar mal-entendidos. Paciência. Quem manda dar papo pra
pobre, pra quem tudo tem que ser bem explicadinho ou a pessoa entende o
que não deve?
[Fonte: www.eduardoaffonso.com]
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